Orlando Margarido, na CartaCapital
Das primeiras individuais na Europa e em São Paulo, no início dos anos 80, à instalação na capital paulista que não chegou a ser inaugurada na década seguinte, a obra de Leonilson comportou-se como um catálogo pessoal de seus sentimentos e convicções. Mesmo quando ainda não evidenciadas por palavras escritas ou bordadas, as intenções se revelavam nas pinturas, desenhos e aquarelas de primeira fornada, que recebiam títulos como Na Neblina, O Bom Piloto ou O Inflexível.
Retomar esse percurso é a proposta da mostra Sob o Peso dos Meus Amores. São mais de 300 trabalhos do cearense morto em 1993, aos 36 anos, em decorrência da Aids. Leonilson foi um dos nomes mais originais da chamada Geração 80, pautada pela pintura, mas dela afastou-se em busca de rumo próprio. Em 1988, as obras Como as Cataratas e Ninguém Tinha Visto, esta uma acrílica sobre madeira com uma grande asa branca no centro, somavam-se a outras na percepção das mudanças. A atitude mais simbólica da adequação de suas aspirações a um meio, no entanto, é aquela representada na escolha de suportes e técnicas nada convencionais, a exemplo de bordados sobre tecidos variados, sacolas e fronhas de travesseiros, aliados à escrita. O artista era filho de um vendedor de tecidos e de mãe bordadeira.
Conforme suas reflexões saltavam em razão das fases vividas, essas eram traduzidas em formatos e palavras que intrigam o espectador, caso do bordado Cheio, Vazio, uma das últimas obras, e Todos os Rios, para ficar nos trabalhos emblemáticos. Muitas vezes a imperfeição do acabamento, da costura, do recorte desalinhado que Leonilson preconizava como manifestação de sua arte aguçava-se quando a forma e o elemento gráfico não eram suficientes, a exemplo da cruz de lona pintada de azul chamada KmS – Horas.
Mas tais dados fornecidos pelas obras vêm sempre costurados por situações pessoais do artista, como assinala o crítico Ricardo Resende, curador da exposição ao lado de Bitu Cassundé. Ele relembra o caráter de colecionador de Leonilson, transposto nos elementos recorrentes de seus desenhos, seja um relógio, um avião ou um farol. Reforça ainda a ideia de um solitário voltado a refletir sobre questões de desejo e sexuais. O eixo de retrospecto da mostra confirma a apreciação antes mesmo de Leonilson surgir no cenário nacional, quando criou em 1972 Mirro, uma caixa de madeira na qual representa seu rosto com variados objetos e material descartável, já sugerindo uma personificação.
SOB O PESO DOS MEUS AMORES
Itaú Cultural, São Paulo
17 de março a 29 de maio
Fonte: Carta Capital
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