Índios de vários Municípios do Estado do Ceará levam suas peças artesanais para a loja da Ceart em Fortaleza |
Diversas peças da cultura indígena estão expostas na Ceart FOTOS: THIAGO GASPAR |
Fortaleza A natureza é celebrada pelos índios com artesanato. As singularidades culturais são cultivadas em "bio-jóias" de cada novo colar de sementes, cocá, ou mesmo nas tintas vegetais que transformam desenhos no corpo. O artesanato popular indígena pode ser encontrado muito antes das aldeias de cada etnia. Em parceria com a Central do Artesanato (Ceart), a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) apoia a produção artesanal étnica, que pode ser conferida em Fortaleza na Loja de Artes Indígenas Toré Torém.
Pelo menos seis etnias indígenas estão levando suas peças artesanais para a loja em Fortaleza, proporcionando a apreciação dos não-índios e gerando trabalho e renda para os povos indígenas: Tapeba (Município de Caucaia),
Pitaguary (Municípios de Itarema e Acaraú), Jenipapo-Kanindé (Aquiraz), Kanindé (Aratuba) e Tabajara (Poranga). Têm de colares de sementes a arco e flecha para decoração. Peças de barro são utensílios domésticos, e camisas ilustradas revelam as caras e cores dos índios do Ceará.
A arte Tapeba é uma das mais procuradas. Os índios Ivonilde e Flávio Tapeba tentam atender à demanda. Além da compra direta na loja tem cliente que encomenda os produtos. Fazem sucesso as ´quartinhas´, potes de barro de médio porte para água potável, e os arco e flecha para decoração de parede.
Os Pitaguary produzem colares de sementes e bolsas de palha;
os Tremembé de Almofala, em Itarema mandam colares, potes e camisas com a "rosa do torém" - índios em ciranda, símbolo daquela etnia.
A Loja de Artes Indígenas Toré Torém é mantida pelo Instituto de Responsabilidade Social, da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), com apoio da Central de Artesanato do Governo do Estado.
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As peças produzidas pelas etnias são diversificadas e encantadoras, de colares a artigos de decoração |
Preços
É aberta de segunda a sábado convergendo as peças artísticas e artesanais das etnias, evitando a exploração econômica por atravessadores. O preço das peças é dado pelos próprios índios, que recebem o "valor justo". Apenas uma pequena porcentagem fica para auxílio de manutenção do lugar, que funciona diariamente de 9 às 18 horas e de 10 às 15horas aos sábados.
Os preços variam de R$ 4,90 (um colar de sementes) a R$ 32,90 (um ponte de cerâmica). Em cada produto uma etiqueta com o nome da etnia e do artesão que fez.
A loja é o grande braço da Fiec no Programa de Difusão da Cultura Indígena. Realidade material, criatividade, espiritualidade e imaginário coletivo são repassados para além das aldeias, atingem os não-índios como uma forma de reafirmação da identidade indígena no Estado do Ceará.
"A cultura indígena, cortada no tronco pela colonização, possuía raízes e, com o tempo, os sinais de sua existência voltaram a brotar.
O que foi jogado na clandestinidade continua existindo, embora sem o reconhecimento da cultura oficial. As culturas de tradição indígena vão, de pouco em pouco, reaparecendo, mostrando suas marcas nas cerâmicas, nos trançados, na tecelagem e até nas pinturas realizadas em tela", diz o pesquisador Roberto Galvão em seu livro "Arte Tremembé", sobre a resistência do povo indígena do Litoral Oeste do Estado.
DifusãoO Programa de Difusão da Cultura Indígena, da Fiec, tem três eixos principais: No de Cadeias Produtivas faz Estruturação de novos grupos de produção de artesanato indígena e fortalecimento dos grupos já existentes, proporcionando a comercialização desses produtos por meio da Loja de Artes Indígenas localizada na Ceart, administrada pelo Instituto Fiec em parceria com a Secretaria de Empreendedorismo do Governo; Em Ações Socioeducativas, disseminar a cultura e o valores de uma educação para a sustentabilidade, estimulando a participação comunitária em torno das atividades realizadas nos Centros de Artes das aldeias Indígenas.
No eixo de Memória e Patrimônio Cultural atua em projetos voltados para disseminar e difundir a cultura indígena, com ações respaldadas no resgate histórico das tradições e a sua importância para a constituição da cultura indígena cearense, tendo como destaque o Projeto Exposição Arte Indígena e o Acervo Indígena, composto por mais de 600 peças de diferentes tipologias de artesanato.
FIQUE POR DENTRO
As várias etniasA igreja de Nossa Senhora da Assunção de Almofala dos Tremembé é referência na luta pelas terras do antigo aldeamento indígena. A "igreja dos índios" foi soterrada pelas dunas em 1892 e assim ficou por 50 anos, causando dispersão dos Índios Tremembé para as localidades de
Córrego do João Pereira e Camondongo (Itarema), Queimadas (Acaraú), e São José e Buriti (Itapipoca).
Em 1996, o índio Kanindé José Maria Pereira dos Santos, o "cacique Sotero", incentivou a abertura para visitação pública ao "Museu dos Kanindé", que traz em seu acervo artesanato, com destaque para os trabalhos de madeira, instrumentos de caça e dança até então mantidos sob sigilo.
Os índios Tapeba têm uma recheada agenda cultural, com participação das outras etnias. Em julho acontecem os jogos indígenas estaduais, com todos os povos; em agosto ocorre a feira cultural do povo tapeba, os jogos indígenas tapeba e o ritual de purificação das crianças.
Em setembro ocorre a festa da carnaúba e inicia a fabricação do mocororó. Em 3 de outubro comemora-se o dia do índio tapeba. Dezembro é o mês da colheita da mandioca e das celebrações da "farinhada". Em mais uma iniciativa de afirmação étnica, os índios Potyguara, de 20 comunidades nos Municípios de Crateús, Monsenhor Tabosa, Novo Oriente e Tamboril retomaram a pesquisa e o ensino do Tupi, a língua ancestral.
MAIS INFORMAÇÕES
Loja de Artes IndígenasPeças de artesanato, Município de Fortaleza
Telefone: (85) 3224.7291
PATRIMÔNIO IMATERIAL
Manifestações artísticas e culturaisO valor imaterial difundido nas danças, brincadeiras, cânticos e orações revelam a resistência de um povoAquiraz O artesanato se soma às outras manifestações artísticas e culturais dos índios. O valor imaterial difundido nas danças, brincadeiras, cânticos e orações revelam a resistência do povo, sua história de vida. Em pelo menos 13 principais etnias espalhadas pelo interior, os índios dialogam arte e cultura com o senso de preservação ambiental. Aos poucos, são reconhecidos pelos não-índios, que passam a perceber os povos indígenas fora dos estereótipos de seres desnudos e pintados. Primitivo é esse pensamento.
É fato que 30 anos atrás era bem mais difícil compreender a existência de índios no Ceará. Sempre existiram donos naturais das terras bem antes da colonização, mas, com a chegada dos europeus, a aculturação foi tanta que até mesmo entender-se índio era um desafio para grupos que hoje se definem de etnias indígenas. Sim, o Ceará é terra de índios. Eles estão espalhados pelo interior, desde a Região Metropolitana de Fortaleza. Entretanto, não espere povos vivendo em ocas, isolados, essa segmentação há muito deu lugar à integração. De acordo com o antropólogo Sérgio Brissac, modo de vestir ou de falar não é definidor da identidade indígena.
Estereótipos"Sou índio" é uma afirmação que transcende os estereótipos. A comunidade Tapeba, em Caucaia, é um típico povoado de interior. O atraso ou a modernidade lá chegou na mesma velocidade com que povoados de não-índios. A diferença está na identificação com a ancestralidade. E nas últimas décadas, reconhecendo seus direitos indígenas, dezenas de grupos reacendem a chama de suas singularidades, suas expressões culturais mais tradicionais, sagradas. Os mais jovens entram na roda da luta desde pequenos - existem cerca de 40 escolas indígenas em 16 Municípios do Estado.
O artesanato é uma forma de chegar a outros lugares e dizerem "sim, nós existimos".
O reconhecimento, a demarcação e a homologação de terras indígenas cearenses é, para os índios, pretexto bom para o convite aos não-índios conferirem o que eles têm de melhor: a cultura. Quem vê, toca e sente, só chega a uma conclusão: "é, eles existem".
Fonte: Diário do Nordeste