Mons Sabino Feijão Foto: Divulgação
Idos de 1960. Os tempos eram outros. Os costumes também. Padre Sabino chega ao Acaraú para pastorear, sozinho, uma área onde, hoje, trabalham doze padres. Em junho de 1932, substituindo o padre José Arteiro, assassinado, fazia um ano, dentro da sacristia da Igreja Matriz, cabia-lhe o pastoreio de uma Paróquia cuja sede, próxima ao mar, estava distante seis do último ponto ao leste, distante onze léguas do último ponto a oeste, e quatro léguas do último ponto ao sul.
Começou, viajando só a cavalo. Ao ir para uma
comunidade, lá se demorava três, quatro dias. Em desobrigas para a
Páscoa, ou em outros momentos espeiciais, se fazia acompanhar de frades
que trazia de fora e ficaram conhecidos na região: padre Pedro, padre
João, padre Tiago. Mas, ia também, para voltar no mesmo dia, se fosse
chamado para uma “confissão de hora de morte”. Que homens
extraordinários nossos antigos vigários!... Mas, os tempos eram outros.
As missas eram poucas. Só na Matriz e nas capelas já construídas. Não
era permitido celebrar debaixo de árvores ou em casas particulares. E as
capelas eram poucas. Umas doze, se muito. Hoje, naquele território, são
mais de duzentas, prontas e com altar de celebração.
“NASCI POBRE, E POBRE QUERO MORRER...”
E os tempos eram outros. Na vida paroquial, não
havia reuniões. Uma raridade. Nem atendimento demorado para orientação
espiritual ao paroquiano. Eram só as missas (celebradas só pela manhã),
as desobrigas no tempo Pascal, com as confissões gerais, agora, entrando
madrugada adentro. Vi muito isto: monsenhor Sabino celebrava de manhã,
depois ia sentar-se no balcão da loja (venda de tecidos) de seu
Magalhães e dona Carmen, para conversar com os amigos. Se era noite, a
demora era na calçada de dona Alzira, vizinha à Casa Paroquial. Como ele
gostava! Naqueles tempos, televisão não era o passa-tempo.
Nem novelas.
Uma boa conversa na calçada preenchia o tempo.
Pároco de Acaraú não tinha ele dificuldades maiores
na sustentação financeira da vida paroquial. A Paróquia tinha sua
manutenção garantida independente das contribuições dos fiéis, dadas as
rendas das terras que recebeu de generosos doadores. E padre Sabino até
pode economizar para si alguma coisa do que ganhava, constituindo um
pequeno patrimônio. Mesmo assim, demonstrava desapego aos bens
materiais. Era generoso para com quem dele precisasse. No final de sua
vida, deixou-nos, em forma de testamento, um testemunho escrito. A
este testamento, assinado por ele, eu mesmo, em primeiro, logo após o
seu falecimento, tive acesso, abrindo uma gaveta do seu birô da sala de
atendimentos. Deixou-o ali a propósito, antes de ir para o Rio de
Janeiro, onde faleceu?! É o que os mais próximos dele pensamos.
O que disse ali muito me edificou. Mas, o
documento, não registrado em tempo, não teve nenhuma validade jurídica,
nem efeito prático. E o que ele disse?! Dentre outras coisas, guardei
isto na memória: “Nasci pobre e pobre quero morrer. Quero ter a minha
alma tão limpa de pecados, como limpas tenho as minhas mãos de
azinhavre. (sujo de metal, dinheiro). Nada tenho a deixar para meus
irmãos, pois já os socorri em vida. E nisso penso que não faltei nem a
justiça, nem a caridade. Quanto aos meus pequenos objetos de uso
pessoal, peço aos meus testamenteiros, monsenhor Aloísio Pinto e padre
Manoel Edmilson Cruz, que os entreguem aos meus irmãos, contanto que
isto não fira os interesses da Paróquia”. Palavras que não ouvimos de
sua boca, mas são autênticas como uma das suas últimas vontades.
Requiescat in pace! (Descanse em paz!).
Pe. Valderi Rocha
Fonte: Correio da Semana