quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Mons. Sabino Feijão-Os tempos eram outros, os costumes também

Mons Sabino Feijão Foto: Divulgação

Idos de 1960. Os tempos eram outros. Os costumes também. Padre Sabino chega ao Acaraú para pastorear, sozinho, uma área onde, hoje, trabalham doze padres. Em junho de 1932, substituindo o padre José Arteiro, assassinado, fazia um ano, dentro da sacristia da Igreja Matriz, cabia-lhe o pastoreio de uma Paróquia cuja sede, próxima ao mar, estava distante seis do último ponto ao leste, distante onze léguas do último ponto a oeste, e quatro léguas do último ponto ao sul.

Começou, viajando só a cavalo. Ao ir para uma comunidade, lá se demorava três, quatro dias. Em desobrigas para a Páscoa, ou em outros momentos espeiciais, se fazia acompanhar de frades que trazia de fora e ficaram conhecidos na região: padre Pedro, padre João, padre Tiago. Mas, ia também, para voltar no mesmo dia, se fosse chamado para uma “confissão de hora de morte”. Que homens extraordinários nossos antigos vigários!... Mas, os tempos eram outros. As missas eram poucas. Só na Matriz e nas capelas já construídas. Não era permitido celebrar debaixo de árvores ou em casas particulares. E as capelas eram poucas. Umas doze, se muito. Hoje, naquele território, são mais de duzentas, prontas e com altar de celebração.

“NASCI POBRE, E POBRE QUERO MORRER...”
E os tempos eram outros. Na vida paroquial, não havia reuniões. Uma raridade. Nem atendimento demorado para orientação espiritual ao paroquiano. Eram só as missas (celebradas só pela manhã), as desobrigas no tempo Pascal, com as confissões gerais, agora, entrando madrugada adentro. Vi muito isto: monsenhor Sabino celebrava de manhã, depois ia sentar-se no balcão da loja (venda de tecidos) de seu Magalhães e dona Carmen, para conversar com os amigos. Se era noite, a demora era na calçada de dona Alzira, vizinha à Casa Paroquial. Como ele gostava! Naqueles tempos, televisão não era o passa-tempo. 
Nem novelas. Uma boa conversa na calçada preenchia o tempo.

Pároco de Acaraú não tinha ele dificuldades maiores na sustentação financeira da vida paroquial. A Paróquia tinha sua manutenção garantida independente das contribuições dos fiéis, dadas as rendas das terras que recebeu de generosos doadores. E padre Sabino até pode economizar para si alguma coisa do que ganhava, constituindo um pequeno patrimônio. Mesmo assim, demonstrava desapego aos bens materiais. Era generoso para com quem dele precisasse. No final de sua vida, deixou-nos, em forma de testamento, um testemunho escrito. A este testamento, assinado por ele, eu mesmo, em primeiro, logo após o seu falecimento, tive acesso, abrindo uma gaveta do seu birô da sala de atendimentos. Deixou-o ali a propósito, antes de ir para o Rio de Janeiro, onde faleceu?! É o que os mais próximos dele pensamos.

O que disse ali muito me edificou. Mas, o documento, não registrado em tempo, não teve nenhuma validade jurídica, nem efeito prático. E o que ele disse?! Dentre outras coisas, guardei isto na memória: “Nasci pobre e pobre quero morrer. Quero ter a minha alma tão limpa de pecados, como limpas tenho as minhas mãos de azinhavre. (sujo de metal, dinheiro). Nada tenho a deixar para meus irmãos, pois já os socorri em vida. E nisso penso que não faltei nem a justiça, nem a caridade. Quanto aos meus pequenos objetos de uso pessoal, peço aos meus testamenteiros, monsenhor Aloísio Pinto e padre Manoel Edmilson Cruz, que os entreguem aos meus irmãos, contanto que isto não fira os interesses da Paróquia”. Palavras que não ouvimos de sua boca, mas são autênticas como uma das suas últimas vontades. Requiescat in pace! (Descanse em paz!).

Pe. Valderi Rocha

Mons. Sabino Feijão-Confiança na autoridade da batina

 Mons. Sabino Feijão Foto: Divulgação

Ele era muito alegre, ativo, divertido e brincalhão. Sempre de batina preta, gozava da admiração da comunidade e mantinha uma imensa autoridade. Andar apressado, por onde andasse as pessoas, fossem crianças, jovens ou adultos, homens ou mulheres, manifestavam receio com sua aproximação, pois ele não dispensava uma brincadeira\: ora, uma “mãozada” nas costas; aqui um cocorote na cabeça ou a caçoleta na orelha; ali o beliscão na barriga. Este até levava-nos ao grito de “ai...ai....ai.... Mas, na faltaram os que, surpresos, até revidaram com um tabefe na cara dele....Mais de uma história, ouvi eu contarem... E não se zangava quando de inesperada reação. Talvez até se saísse, às gargalhadas, como a sussurrar: “Bem feito...bem feito!...”.

Esta, ouvi de seu Raimundo Higino, um idoso de Aranaú, com muito riso, contar várias vezes aos que iam passando por aquela comunidade onde ele era o dedicado encarregado da Capela. “Um dia, narrava ele, estando eu na Casa Paroquial de Acaraú, em visita ao padre Sabino, este, de repente, grita forte para uma dupla de soldados que ia passando em frente à casa:” Ei, soldados, prendam este homem e leve para a cadeia!”. De pronto, um policial falou: “Teje preso!”. E eu respondi no mesmo tom: “Num Tejo!”. O soldado, já se zangando disse uma segunda e uma terceira vez, a ordem de prisão. E eu...respondia do mesmo jeito: “Num têjo!”. Padre Sabino, insultando e já parecendo zangado, falou: “Prendam este homem, soldados moles!”. Os soldados me agarraram com força para algemar”. Foi quando o padre Sabino, ás gargalhadas, interveio forte: “Soltem o homem!...Vocês estão prendendo é o homem mais importante de Aranaú!...”. Ai, eles me soltaram, e um deles falou meio zangado: “Eu logo via que aí tinha uma coisa... que a gente não estava entendendo...”. E entenderam: era mais uma brincadeira do padre Sabino.
Ele era assim: brincalhão. Parecia jeito de criança peralta. Certa vez, presenciei aflição da risonha e “gorducha” dona Tereza Pará, doméstica da Casa Paroquial. Trabalhando ali, com seu irmão Domingos Pará, os dois muito respeitavam padre Sabino e lhe eram muito gratos, pelos benefícios que ele lhes dava. Naquele dia, após o almoço, ainda na mesa, padre se levanta e, mais que de repente e de surpresa, padre Sabino se levanta e coloca, pelas costas, pescoço abaixo dentro do vestido da Tereza, uma mão cheia de pedras de gelo... Foi um sufoco da pobre doméstica...

Confiado na amizade e no respeito que lhe tinham as famílias, ele não pedia licença para “carregar” de uma loja fosse o que fosse: uma peça de tecidos, pacotes de bolachas, ou de bombons, ou, de uma residência rural, um saco de farinha... ou, numa casa da cidade, aquele queijo exposto lá na prateleira do quarto ao lado da cozinha...

Intempestivo, quantas vezes, nas noites das novenas, nas festas de padroeiros das Capelas, ou mesmo, na Matriz, ele descia aos locais das diversões e das vendas, para derrubar com um “chute” as bancas de caipira (jogo de azar), ou mesmo as mesas cheias de mercadorias, quando expostas em locais ou horários não permitidos. Atitudes parecidas, quando da teimosia dos operadores de carrosséis e canoinhas. Se não havia policiais na área, ele fazia as vezes deles, substituindo-os até no apartar de brigas, inclusive, brigas de rua envolvendo embriagados de faca em punho. Confiava na autoridade da batina. Uma imprudência, todos diziam. Mas, era o jeito dele! O que fazer?!

Pe. Valderi da Rocha


Mons. Sabino Feijão-Homem Extraordinário

Mons. Sabino Foto: Divulgação

“Toda sua vida sacerdotal foi dedicada à sua primeira e única paróquia, onde trabalhou com invejável zelo e incansável atividade pastoral”. O comentário elogioso é do padre Aureliano Diamantino da Silveira, filho de Bela-Cruz e autor do livro de biografias, “Ungidos do Senhor”, publicado, há dez anos, em 2004, sobre os padres que nasceram, ou residiram, ou pastorearam paróquias no Ceará, num período de mais de trezentos anos, de 1700 a 2004.

A referência citada é a respeito do padre Sabino de Lima Feijão. Sua única paróquia foi Acaraú. Faleceu ele em 26 de julho de 1965, quando estava no interior de um cine, no Rio de Janeiro, aonde tinha ido a tratamento de saúde. Na época, eu estava sendo, desde fevereiro daquele ano, seu Vigário Cooperador. Como tal, em 28 de julho, coordenei as cerimônias de suas exéquias, presididas por dom Walfrido Teixeira Vieira, bispo diocesano, com sepultamento do corpo feito no piso do altar-mor da bela Matriz de Nossa Senhora da Conceição, de Acaraú, a qual havia sido reconstruída por ele, em definitiva reforma, iniciada em 1942 e concluída em 1947.

Monsenhor Sabino – assim nos referíamos a ele que tinha este título desde junho de 1958, por concessão do papa Pio XII. Nascido em 1906, faleceu com apenas 59 anos. Originário dos Feijões de Groaíras, tinha cabelos brancos, estatura alta e forte, no aspecto físico. Desde jovem, eu o conhecia nas suas andanças por minha terra, Morrinhos e, no último ano da vida dele, residindo em sua casa, em Acaraú.

Hoje, do alto dos meus 75 anos, ao lembrar a data do seu falecimento, fico surpreso pelo poucos anos vividos por ele. Eu o tinha como um homem já bem maduro e bem idoso; um “velho”, assim a gente falava, na época.

Pe: Valderi da Rocha