sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O bode cidadão

O boêmio de quatro patas mais famoso do Ceará ganha mais uma publicação, desta vez para os pequeninos. "Yoiô - O bode celebridade", com texto de Arlene Holanda e desenhos de Julião Jr., será lançado amanhã no Museu do Ceará, atual residência do bode artista

Atualmente, o bode Yoiô permanece empalhado no Museu do Ceará, onde pode ser visitado diariamente
FOTO: JOSÉ LEOMAR

Na encarnada sala do Museu do Ceará, repousa sereno um herói cearense. Boêmio inveterado (apreciador de uma boa aguardente), pós-graduado em becos do Centro de Fortaleza, companheiro de artistas e intelectuais em noturnos cafés e, ainda, político honesto, já que ganhou sem se candidatar e não cumpriu, mas também não prometeu.

Ele, bode Yoiô, protagonizou alguns dos causos mais memoráveis da Praça do Ferreira, no coração de Fortaleza, e agora tem sua história registrada em versos, pela escritora Arlene Holanda, e em traços, pelo ilustrador Julião Jr. Uma história para crianças de todas as idades. "Yoiô - O bode celebridade", editado pelo selo Armazém da Criança, do Armazém da Cultura, será lançado, amanhã, ali mesmo, no Museu do Ceará.

O bicho
O livro conta a saga do caprino mestiço (com forte predominância da raça alpina - é o fraco!), que viveu na Capital cearense perambulando entre bares e ruas do centro no início do século XX. Segundo se difunde, o bode teria vindo junto a retirantes, fugidos da seca de 1915.

Seu então proprietário, diante do dilema entre a panela e o bolso, preferiu - para sorte da boemia de Fortaleza - arrecadar uns vinténs com o animal. Foi vendido para um representante de uma empresa britânica no nordeste, a Rossbach Brazil Company, da qual se tornou uma espécie de mascote. Com propriedade agora localizada na Praia de Iracema, o bode, outrora mofino, puxado por uma corda de amarrar punho de rede, já não estava na pior.

No entanto, não demorou para que a comilança do mato que circundava as dependências da empresa lhe entediasse por demais. O caprino era mesmo afeito a vadiagens e logo seguiu sua sina de andarilho, descobrindo o trajeto que lhe daria a alcunha de "ioiô". O bode aprendeu a partir da praia a seguir para a Praça do Ferreira, realizando o mesmo percurso diariamente.

O boêmio
E foi nos passeios que conheceu a noite fortalezense e seus muitos companheiros. No entorno do famoso Café Java (sede-mor da Padaria Espiritual, inclusive), conheceu escritores, pensadores, músicos, atores, inúmeros artistas de mesas de bar.

Com eles, passeava pelas ruas, ia a teatros, saraus, coretos; deles fora batizado Yoiô e por eles conheceu ainda as delícias da cana-de-açúcar, a bebida destilada preferida, que recebia gratuitamente a cada estabelecimento frequentado. De cara, simpatizou-se por ele o pintor Raimundo Cela, mas foi por todos amado, considerado um cidadão como outro qualquer.


O político
Ainda em 1921, Yoiô aprontaria uma molecagem que o consagraria como autêntico amigo do povão. Naquela época, inaugurava-se nas imediações da praça aquele que seria um dos cinemas mais movimentados da época: o Cine Moderno.

A população chegava de bonde e as celebridades desciam de seus Chevrolets e aguardavam com expectativa a chegada do governador Justiniano de Serpa e do intendente Godofredo Maciel para a cerimônia.

Mas o danado do bode (provavelmente "cheio dos pau", como se diz em bom "cearês") cansou de esperar. Trotou com suas quatro patas até a fachada do prédio e fez as vezes de político: comeu a fita inaugural do cinema. No mesmo ano, lá estavam os intelectuais candidatando Yoiô para vereador de Fortaleza. Mas candidatura não quer dizer vitória! Quem disse? Quando se abriram as urnas, em 1922, o nome do bode saltava das cédulas. Não pode assumir o cargo, mas, mais uma vez, entrou para a história da cidade.

O amante
Segundo afirmavam as companhias, além do jeito para as artes, o bode era um exímio entendedor de mulheres. Buliçoso, levantava com o chifre as barras das saias e dos vestidos das moças, garantindo ao macharal a boa vista.

A vida de boemia e libertinagem naturalmente não lhe pouparia da mortalidade, ao contrário, a aproximaria dela. O caprino deixou as ruas de Fortaleza em 1931, encontrado morto nas proximidades da Praça do Ferreira. Como homenagem, Adolfo Caminha resolveu empalhá-lo e é justamente sua figura que se encontra preservada no Museu do Ceará. Bom, preservada em termos, já que, em 1996, lhe roubaram o rabo (o que protagonizou nova história, ainda que "in memoriam").

Nos anais da história, consta que a "causa-mortis" fora, de fato, resultado da vadiagem: cirrose hepática. As malignas línguas, no entanto, dividem-se em duas hipóteses: noivo furioso ou atentado político.

Durante o lançamento de "Yoiô - O bode celebridade", haverá ainda a abertura da exposição "Brinquedos do Mundo", apresentação do teatro de bonecos "O sonho de Dorinha no Museu do Ceará", além de oficinas de confecção de brinquedos, em parceria com o Labrinjo - Laboratório de Brinquedos e Jogos da UFC.

Cultura cearense 

Yoiô - O Bode Celebridade  
Arlene Holanda
Armazém da cultura
2011
23 páginas
R$ 20

Ilustrações de Julião Jr. O lançamento acontece amanhã, às 10h, no Museu do Ceará (R. São Paulo, 51). Contato: (85) 3224.9780

MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Museu Madi terá estrutura elevada

Até o fim do ano, a Prefeitura de Sobral deverá abrir licitação para as obras do novo museu, a se realizar em 2012

Na nova concepção, maquete traz plataforma superior, cobrindo a anterior, o que livrará o museu de possíveis inundações, dando mais segurança ao prédio
REPRODUÇÃO

Sobral. O novo Museu Madi Sobral será espacial. A informação com exclusividade para o Diário do Nordeste é dada pelo secretário de Desenvolvimento da Cultura e do Turismo de Sobral, Campelo Costa. A nova concepção do Madi é restabelecer o local, que foi anteriormente inundado pelas águas do Rio Acaraú, em 2009. "Só que agora, em vez do térreo, vamos colocar plataforma superior, cobrindo a anterior", diz Costa.

Ele, que é arquiteto, garante a viabilidade do novo projeto. "Vai ter sobre essa plataforma uma estrutura espacial, de caráter simbólico, monumental, para marcar o lugar, como deve ser". Para o secretário municipal de Cultura e Turismo, o novo Madi será um marco na intenção da Prefeitura, de voltar-se para a margem esquerda do Acaraú. "Foi onde a cidade nasceu, dando a importância que ela tem", explica.

Campelo Costa aposta que o local vai consolidar o verdadeiro centro cultural de Sobral. "Este Centro Cultural tem uma importância enorme com a Biblioteca Municipal Lustosa da Costa, com a Escola de Comunicação, Artes e Ofícios e o Museu Madi", adianta.

O secretário detalha o Novo Madi. "O Museu, na parte de cima, vai funcionar com sua galeria, a sala de exposição. No térreo, funcionará a parte educativa, no sentido que ficará aberto, podendo haver, naturalmente, exposições temporárias, sem problemas de grande risco, de segurança, onde a gente possa trazer crianças para começar a aprender a questão da perspectiva das atividades cultural e educativa. Já o Museu, aquilo que a gente chama de ´intestinos´, ou seja, a parte logística, de reparo, de guardar o acervo, este funcionará numa área dentro da Escola de Comunicação, Artes e Ofícios", diz.

O secretário acrescenta que a obra terá na nova galeria a possibilidade mais concreta de interagir. "Estão previstos sanitários, que não tinha anteriormente. Além disso, terá toda parte de infraestrutura com ar condicionado, casa de máquina, e outros equipamentos".

Energia solar
A energia para o Novo Madi deve ser gerada a partir do sol. O secretário disse que o prefeito Veveu Arruda quer transformar a fonte da eletricidade pela de energia solar. "Essa é uma das muitas qualidades que a gente quer para o Museu". Campelo Costa destaca que, com essa iniciativa, o prefeito estabelece patamar inicial de readequar a beira do Acaraú, complementada pelo outro lado do rio, como o lugar de passeio, cooper, realização de grandes espetáculos, como os shows recentes com Lenine e Zeca Baleiro na cidade.

Na concepção do secretário, o museu vai compor a Praça Cívica de Sobral. "Esta praça foi pensada para ser o palco das grandes manifestações de massa, comícios, shows, espetáculos e que se transforme num sucesso".

Segurança
O secretário afasta o temor das pessoas sobre a insegurança na área. "As pessoas ficam preocupadas com a segurança. No entanto, não precisa ficar com temor. Nós tivemos aqui grandes shows que foram uma maravilha", destaca.

Por fim, Campelo Costa afirma que esse conjunto de ações determina, naturalmente, a nova feição do próprio Museu Madi. O projeto inicial para o lugar está sendo concluído com a maquete eletrônica. A Prefeitura de Sobral quer estabelecer até o fim do ano o início do processo de licitação e iniciar as obras no ano de 2012.

Mais informações

Secretaria de Desenvolvimento da Cultura e do Turismo de Sobral. Avenida Dom José, 881, Centro Telefone: (88) 3611.2712


LAURIBERTO BRAGA
Repórter

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sobral: palco de memórias

A história recente de Sobral serve de matéria-prima para o ensaio autobiográfico que Edmo Linhares lança hoje

O Teatro São João, um dos símbolos dos tempos áureos de Sobral
ACERVO DA SEC. DE CULTURA E TURISMO DE SOBRAL/DIVULGAÇÃO

A dica é de Lustosa da Costa, jornalista e escritor, cronista de tempos remotos e da história recente de Sobral: "O livro do Edmo é muito interessante. Tem umas histórias muito boas da cidade".

O autor em questão é Edmo Linhares, funcionário aposentado do Banco do Nordeste, advogado e historiador. O livro, "Um mergulho no passado", reunião de memórias da meninice à maturidade que ele lança às 19h30, no Centro Cultural Oboé. A obra será comercializada a R$ 20 e toda a renda será doada para o Serviço de Obras Sociais, entidade beneficente sobralense.

Filho de um comerciante, Edmo perdeu a mãe cedo. "Meus irmãos foram todos distribuídos entre os parentes. O único que ficou com meu pai fui eu", relembra. Sem ter com quem ficar em casa, o menino acompanhava o pai no comércio. "Comecei a fazer um servicinho aqui, outro ali. Aos 12 anos, já ganhava o suficiente para pagar meus estudos. À noite, claro, porque de manhã estava fazendo os meus serviços", relembra.

O pai, conta Edmo Linhares, foi o grande exemplo de seriedade, de dedicação e esforço. "Não era um homem de muitas letras, mas me incentivava bastante", conta. A leitura foi um paixão que o acometeu cedo. E logo o dinheiro levantado com seu trabalho diurno patrocinou seu amor pelos livros. "Era louco para ler Machado de Assis, mas não tinha quem me emprestasse, nem encontrava na biblioteca. Lembro que, novinho, comprei uma coleção dele. Ainda a possuo, amarelada", conta.

Edmo Linhares colecionou amigos e formou uma família da qual se orgulha. Passou aos filhos o gosto pelos estudos. "Uns anos atrás, meu filho me convenceu a me matricular numa faculdade de direito, algo que sempre quis fazer. Chegamos a cursar disciplinas juntos e ele implicava, brincando, porque algumas vezes tirei notas mais altas que ele. ´Ora, sou seu pai e preciso dar o exemplo´, disse a ele", conta bem humorado.

MAIS INFORMAÇÕES:
Lançamento de "Um mergulho no passado" (Expressão Gráfica, 2011, 200 páginas, R$ 20), de Edmo Linhares. Às 19h30, no Centro Cultural Oboé (Rua Maria Tomásia, 531 - Aldeota). Contato: (85) 3264.7038

domingo, 23 de outubro de 2011

Centro histórico de Sobral será revitalizado


A riqueza arquitetônica do centro histórico da cidade de Sobral, formado por prédios que contam a formação daquele município e região, ficará mais visível. O Governo do Estado, por meio da Secretaria da Infraestrutura (Seinfra), assinará neste domingo (23), às 18 horas, naquele município, a ordem de serviço para a execução para a internalização subterrânea da rede elétrica. As obras são parceria entre a Seinfra, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e prefeitura de Sobral. O evento contará com a presença do governador Cid Gomes, do secretário adjunto da Seinfra, Otacílio Borges, além de demais autoridades.

A empresa Tecnocon Tecnologia em Construções LTDA, vencedora da licitação, realizará as  obras civis de internalização (dutos e caixas subterrâneas, além dos postes ornamentais) da rede elétrica por  R$ 3.569,767,34, valor R$ 1,3 milhão abaixo do inicialmente previsto no edital de licitação. As obras serão concluídas até o final de agosto do ano que vem.  A Coelce, em parceira com o Governo do Estado, realizará a implantação de todos os cabos elétricos.

O projeto faz parte do Programa Monumenta - Cidades Históricas, desenvolvido pelo Iphan em parceria com o Estado e município. Além da rede elétrica, serão realizadas outras licitações para a internalização das redes telefônica e de dados, com investimentos estimados em R$ 12,5 milhões, sendo mais da metade capitaneados pelo Instituto. As ações para tornar mais belo o sítio histórico de Sobral compreendem o polígino entre as ruas Ce. Monte Alverne, Maestro José, Jornalista Deolindo Barreto, João do Monte, Domingos Olímpio, Ernesto Deocleciano, Carlos Luzimar Coelho, Joaquim Ribeiro, Tabelião Afonso Cavacante, Cel. José Sabóia, Menino Deus, Frederico Ozanan, Carlito Pompeu, SDO 007 e Cordeiro de Andrade.

Serviço: A ordem de serviço para internalização da rede elétrica do sítio histórico de Sobral acontece neste domingo, dia 23 de outubro, a partir das 18 horas, em Sobral.

Saiba mais:
- A área pública beneficiada é de cerca de 27 hectares tombados pelo patrimônio Histórico Nacional onde estão instalados diversos prédios que contam a história da região, como igrejas, casarões, praças, o museu o Dom José e Museu do Eclipse.

- No último dia 21de outubro, cinco empresas apresentaram propostas para internalização das redes telefônica e lógica do sítio histórico de Sobral.

Fonte: Seinfra

Pelas páginas cearenses

O contista e cronista Pedro Salgueiro reme- mora a história do gênero no Ceará. Entre os muitos que se debruçaram sobre os fatos e paisagens do nosso Estado, destacam-se Milton Dias, Ciro Colares e Rachel de Queiroz

O escritor Pedro Salgueiro é autor de cinco livros, entre eles quatro de contos e um de crônica: "Fortaleza Voadora"

Ao encontro de um traço único da crônica cearense, não posso dizer que tenha tido muito sucesso. O formato das crônicas e o modo como e onde nascem parecem não mudar muito de lugar para lugar. A única diferença (não menos preciosa, no entanto) é o fato de que reconhecemos bem de que fala o cronista, quando não conhecemos a ele próprio, pessoalmente, relação que confere as suas palavras outro tempero.

No Ceará, são nossas paisagens, ruas e fatos que estão no foco das lentes literária sempre a postos dos cronistas. Fala-se de algo de nossa pertença. E quem, desde jovem, aprendeu a ler Fortaleza pelas linhas dos cronistas semanais foi o escritor e também cronista Pedro Salgueiro. Por meio dele e de suas memórias, iniciamos esse passeio pelos sujeitos que dão cor à crônica da terrinha.

Lirismo
Quando jovem, dos nomes rememorados por Pedro Salgueiro, o primeiro que vêm à lembrança é o daquele considerado o maior cronista da história do Ceará: Milton Dias (1919-1983).

Nascido em Ipu, Milton descobriu ainda no colégio sua vocação para a escrita. Quando adulto, dividiu-se entre dois amores, a língua materna e o francês, que estudou por muitos anos na própria França. Já no Ceará, tornou-se professor de Língua e Literatura Francesa na Universidade Federal do Ceará (UFC). Mas se a pesquisa e a docência lhe impulsionavam ao idioma estrangeiro, as crônicas lhe traziam de volta ao seio de sua terra. Livros como "Relembranças" e "As Cunhãs" revelam seu trato com o bom português. "Milton era cheio de lirismo. Lembrava a escrita de Rubem Braga algumas vezes", rememora Salgueiro.

Desta mesma época, o escritor lembra ainda outro nome, aliás, pouco conhecido por suas crônicas: Moreira Campos. Também professor de Letras na UFC e sócio-fundador do movimento literário conhecido por Grupo Clã, do qual Milton Dias fez parte, Moreira foi muito mais condecorado por seus contos do que por sua crônica e poesia. "Algumas pessoas dedicam-se a pesquisar Moreira Campos no Ceará, mas não conheço quem tenha estudado esta vertente de cronista, muito menos a de poeta, já que ele só lançou um livro do gênero", comenta.

Ímpares
Agora, a figura ímpar, imprescindível ao se falar do gênero no Ceará é certamente Ciro Colares. O jornalista forjou-se inicialmente entre as máquinas do Correio do Ceará, onde trabalhava o pai. Aos 18 anos, ingressou no jornal, mas como revisor. Apenas em 1946 começou a escrever e, desde então, foram 60 anos de jornalismo. Entre tantas produções, foi colunista também do Diário do Nordeste, integrando o Caderno 3 aos domingos, no fim dos anos 90.

"O Ciro é um sujeito à parte mesmo, por que é muito importante. O modo como ele se referia a Fortaleza era único, ele conseguiu escrever crônicas atemporais ainda que tratassem de acontecimentos factuais. Ele tinha uma escrita de que eu gostava muito, pois lembrava o Manuel Bandeira cronista. De excelente qualidade", reforça Pedro.

De fato, a escrita de Ciro Colares, registrada em 17 livros de crônica, se destacou pelo carinho com que tratava de Fortaleza, escrita em tal estilo que lembrava muito mais uma poesia.

Aqui, criou personagens como as sereias que dizia existir nos mares da Capital, a qual batizou Fortalezamada. Recentemente, a memória de Ciro foi preservada em livro, escrito pela jornalista Lucíola Limaverde: "Ciro Colares: a crônica paixão por Fortaleza".

Além do talento de encontrar e criar personagens, o cronista é aquele possuidor da dileta virtude de se tornar personagem e, nesse sentido, Airton Monte, ainda hoje, tem sido um mestre.

Ele, esposo devoto de Sônia, a quem chama de "santa" (porque será?); ele, que em seus textos revelou o gosto por andar nu pela casa; ele, psiquiatra, que confessou morrer de medo de médicos; ele que teorizou: "Há mais vantagens em viver sozinho do que usar o banheiro com a porta aberta". A trajetória do escritor também foi repassada no livro-reportagem "Airton no divã - várias faces do boêmio", da jornalista Anamélia Sampaio Farias.

Em termos de visibilidade, contudo, um nome entre os cearenses desta seara se destaca: certamente Rachel de Queiroz. Uma das poucas mulheres citadas entre os muitos homens adeptos do gênero, Rachel fez uma porção de leitores da revista "O Cruzeiro" começarem a leitura pelo fim, já que suas crônicas iam publicadas na última página do periódico.

Muito antes, no entanto, de tornar-se escritora exclusiva da revista carioca, Rachel havia sido cronista de jornais como Correio da Manhã e Diário da Tarde, e, ainda antes, colunista de O Ceará, onde começou, muito nova, sob o pseudônimo Rita de Queluz. Entre seus trabalhos, constam pelo menos 14 livros de crônica.

"Comparando a crônica cearense com a de outros estados creio que não há muita diferença. Nossos temas são parecidos, o que muda mesmo é o estilo. Rachel tinha um jeito único de conversar com o leitor. Alguns são mais líricos, como já citei, outros preferem tratar do cotidiano, como o jornalista Gervásio de Paula, do Diário do Nordeste, que gosto muito. Já outros são mais cerebrais, mais densos como Ana Miranda, que escreve verdadeiros tratados, com muita pesquisa e informações", relaciona o escritor.

Contemporâneos
Segundo Pedro Salgueiro, que figura entre os cronistas cearenses contemporâneos, a popularização dos blogs na internet tem surtido efeito também na produção literária cearense. "Além dos jornais, acompanho também muitos blogs de escritores que postam quase que diariamente. Eles tem rendido, sim, bons escritores de crônica", afirma.

Entre eles, Pedro cita o blog Literatura Sem Fronteiras, de Nilto Maciel literaturasemfronteiras.blogspot.com). "O Nilto tem um modo interessante de fazer crônica porque, muitas vezes, faz uso de seu estilo para fazer uma resenha de livro, por exemplo. Ele cria um personagem fictício e começa a debater com ele, iniciando uma conversa sobre o certo título...", comenta. Além de Nilto, uma leva de outros bons cronistas vem sendo composta, entre outros, por Raymundo Netto, Flávio Paiva (também do Diário do Nordeste) e Tércia Montenegro, todos vez em quando papeando em nossos jornais.

Fique por dentro

Crônica N° 1*
Tanto neste nosso jogo de ler e escrever, leitor amigo, como em qualquer outro jogo, o melhor é sempre obedecer às regras. Comecemos portanto obedecendo às da cortesia, que são as primeiras, e  nos apresentemos um ao outro. Imagine que pretendendo ser permanente a página que hoje se inaugura, nem eu nem você, - os responsáveis por ela, - nos conhecermos direito. É que os diretores de revista, quando organizam as suas seções, fazem como os chefes de casa real arrumando os casamentos dinásticos: tratam noivado e celebram matrimônio à revelia dos interessados, que só se vão defrontar cara a cara na hora decisiva do "enfim sós".

Cá estamos também os dois no nosso "enfim sós" - e ambos, como é natural, meio desajeitados, meio carecidos de assunto: Comecemos pois a falar de você, que é tema mais interessante do que eu.

*Crônica de estreia de Rachel de Queiroz na revista "O Cruzeiro"

Amar uma cidade*
Amar uma cidade parece estranho, ela não tem diálogo, ela não tem sexo pra despertar pensamentos eróticos, mas às vezes se ama até mesmo um beco, o que parece ser uma bobagem, e o que é o amor senão uma bobagem?

uma ingenuidade ocasional, um desvio ou descarrilamento da razão?

Não se ama com a cabeça, ama-se sem saber porque, ama-se quase acidentalmente.

As cidades não são apenas os problemas do mostruário,

o ônibus cheio, a criança sem pão, o desastre inevitável,

uma cidade pode ser também aquela moça que está nua no supermercado,

a gente se aproxima e a ilusão se dissipa dentro de nossas lentes de grau, uma cidade pode ser esse momento de utopia.

*Trecho de Ciro Colares

MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER

Fábula cearense

Uma nova geração tem a chance de conhecer um dos mais queridos e odiados vilões da literatura infantil cearense. Detestinha 2013 o bicho que detesta ler, de Demitri Túlio, volta a assombrar o mundo das fadas amanhã na literatura e no teatro também

Nascida como peça de teatro, a história do curioso Detestinha ganha nova versão cênica com o colorido e a graça do Circo Tupiniquim (EDIMAR SOARES )

E se toda criança seguisse o que a vovozinha sempre dizia e resolvessem “devorar os livros”. Pois num é que das fábulas cearenses que sai um “bichinho fuleiro” que dedica sua vida a devorar livros. Literalmente. Depois de mais uma década preso dentro do arco-da-velha, Detestinha, do jornalista e escritor Demitri Túlio, uma das obras mais marcantes do imaginário infantil cearense está de volta.

Detestinha – o bicho que detesta ler volta a Fortaleza em seus dois formatos: enquanto a segunda edição sai impressa em papel, o circo Tupiniquim reencena um de seus maiores sucessos. As duas versões podem ser conferidas amanhã, às 17 horas, na sede do circo Tupiniquim.

Para Demitri Túlio, Detestinha adora história e adora os livros – só não gosta de ler. “É muito importante que a criança tenha uma iniciação na leitura com alguém que ame ler, ame contar histórias e faça todas as pautas, entonações”, defende. Quem sabe se a Carochinha fosse a vovozinha do bicho-traça, ele seria um ávido leitor, em vez de um glutão literário.

A história toda surgiu em 1989, quando o pretenso estudante de teatro Demitri Túlio resolveu escrever uma linha ou outra para crianças. Assim, nasceu o vilão, mas além da prisão no arco-da-velha, ele vivia preso na gaveta do escritor. Sete anos após a escrita, Demitri tomou coragem e passou o texto para Haroldo Serra e sua Comédia Cearense – responsáveis pela primeira montagem. Em 1998, foi a vez do Circo Tupiniquim se aventurar na batalha contra o “comedor de livros”, numa encenação completamente diferente e recheada da cearensidade encontrada tanto no livro, quanto nos atores e manipuladores de bonecos da trupe. Para quem não acompanha todo o linguajar cearense, o livro conta com um glossário ao fim, explicando termos como “caritó” e “bico-de-papagaio”.

O livro se apresenta como um próprio roteiro teatral, dividindo as cenas, os diálogos e ambientando todas as mudanças. Afinal, na adolescência e sem dinheiro, Demitri e um grupo de amigos tinha por hábito se esconder nos jardins de Burle Marx antes do início de uma peça e, com os portões do Theatro José de Alencar já fechados, corria rumo as escadas para se deleitar com o espetáculo na torrinha. A mistura de teatro com fábula deu vida à Detestinha e à seus colegas de cena, palhaço Peteleco, Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve – que vivem sob a ameaça do apetite desperto do bicho-traça.

“Detestinha conhece todas as estórias e as subverte. Lê para destruir – mas antes tem que ler”, aponta Demitri, explicando o porquê de sua criação fazer parte daquele rol de vilões que, ao mesmo tempo, assustam e fascinam as crianças. Nessa segunda edição, o “comedor de livro” assume o traço e as cores de Saulo Tiago – uma das primeiras crianças a ter se fascinado com Detestinha. É que, bem antes de ser integrante do Coletivo Monstra, Saulo é filho de Demitri e, na infância, convivia com a criação do pai. E as atualizações não param aí, crescendo concomitantes às homenagens ao mundo das fábulas. O palhaço Peteleco conta história no Twitter e, em breve, Detestinha pode perseguir uma nova dieta. “Eu acho que ele ia adorar comer os e-books”, fala Demitri, entre risos.
 
Quem

ENTENDA A NOTÍCIA
Jornalista e escritor, Demitri Túlio é, antes de tudo, um apaixonado pelo teatro. Cearense na fala e na escrita, o repórter especial do O POVO tem em seu currículo diversos prêmios Esso e obras como O circo das coisas incríveis e Das antigas: Crônicas escolhidas, que reúne seus textos semanais para este Vida & Arte.

André Bloc
andrebloc@opovo.com.br

Fonte: O Povo