sábado, 27 de agosto de 2011

Bazar das Letras recebe escritor cearense Nilto Maciel




Nilto Maciel
 O Projeto Bazar das Letras realiza um bate-papo com o escritor cearense Nilto Maciel, nesta terça-feira (30). Na ocasião, o escritor vai lançar a obra de contos Luz Vermelha que se Azula. A entrada é gratuita.

O lançamento acontecerá na Galeria do Teatro SESC Emiliano Queiroz, no Centro de Fortaleza, a partir de 19h. O contista e mestrando da Universidade Federal do Ceará (UFC), Carlos Vazconcelos, será o mediador da entrevista.

O escritor

Nilto Maciel é contista, poeta, romancista e estudioso da literatura, uma referência da arte literária no Ceará. O livro “Luz Vermelha que se Azula” apresenta contos que convidam o leitor a fazer indagações.

Mais de 40 autores já passaram pelo projeto Bazar das Letras, promovido pelo grupo de leitura Abraço Literário do SESC-CE. A iniciativa existe há mais de três anos e tem o objetivo de valorizar a literatura, sobretudo a cearense, e outros temas do universo da produção literária.

Serviço:
Bazar das Letras – Lançamento da obra “Luz Vermelha que se Azula”
Local: Galeria SESC Emiliano Queiroz (Av. Duque de Caxias, 1701 – Centro)
Data e Hora: 30 de agosto, às 19h
Mais Informações: (85)3452-9032

Família Crajubar


As histórias ligadas à figura do Padre Cícero servem como pano de fundo para o livro que a escritora Maria Laudecy Ferreira de Carvalho lança hoje, na sede da ACE
 
As primeiras histórias sobre a atuação de Padre Cícero na região do Cariri a escritora Maria Laudecy Ferreira de Carvalho ouviu ainda criança. Quem contava era a avó, mas a convivência com o Padim vinha desde os bisavós. Para tentar resgatar esta memória e fazer um registro da cultura cearense, tendo como mote a figura do homem tido como santo por milhões de pessoas, ela escreveu o livro "Padre Cícero Romão Batista e a Família Crajubar". A obra será lançada, hoje, a partir das 9h30, na sede da Associação Cearense dos Escritores, no Centro.

A história tem traços de novela e tem protagonistas os membros da família do casal Cícero e Juliêta. "O livro tem como pano de fundo fatos acontecidos entre os anos de 1830 e 2008. Padre Cícero serviu e ainda serve como exemplo para muita gente. Seus ensinamentos e profecias ajudaram a construir a imagem de santo perante seus devotos", afirma Laudecy, que nasceu em Nova Olinda, mas mudou para o Crato com o objetivo de estudar.

Um dos trechos que mais chamam atenção na narrativa é o fato de cada um dos três filhos de Juliêta terem nascido no Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Isso, conforme a autora, tem relação com uma passagem dos escritos deixados por Padre Cícero, de acordo com os quais, um dia, as três cidades se tornariam uma só e seriam chamadas apenas de Crajubar. O nascimento das três crianças, cada uma em uma cidade, para Juliêta, era interpretado com o cumprimento de uma profecia do Padim. Era como se ela tivesse na própria família a essência Crajubar. "A religiosidade sempre foi um traço marcante daquela região e procuro mostrar isso no livro ilustrando com histórias que ouvi sendo contadas pelos mais velhos", explica a autora.

O texto tem elementos autobiográficos, já que muito foi construído a partir da vivência de Laudecy. Ela lembra, por exemplo, que a avó, que a abrigou quando era estudante, não sabia ler até sua chegada. "Achei aquilo um absurdo e decidi ensiná-la. Era uma menina, mas ela já disse que aquele foi o melhor presente que ela já havia recebido", revela. "Tudo isso está no livro. De acordo com os costumes da época, as mulheres eram impedidas de estudar pelos pais, para que não pudessem receber bilhetes de pretendentes apaixonados".

Por isso, defende Laudecy, seu livro também representa o resgate histórico de uma época onde a repressão, o machismo e o preconceito imperavam. "Trata-se de uma ficção, mas ela é baseada em fatos que aconteceram de verdade", resume.

A narração é cortada por poemas da própria escritora, que ajudam a ilustrar algumas situações vividas pelos personagens. Ela destaca dois deles: "Cristo e o Padre Cícero", onde faz uma analogia entre as três tentações de Cristo e as três tentações pelas quais teria passado o religioso cearense, e "Eu e a biblioteca", cujos versos estimulam o hábito da leitura. Ambos, conta Laudecy, já receberam diversas premiações.

Além do evento de evento, estão marcados lançamentos do livro no Crato, no Salão de Atos da Universidade Regional do Cariri (Urca), dia 30, às 19 horas, e no Sesc Juazeiro do Norte, dia 31, no mesmo horário, abrindo o Circuito Sesc de Incentivo à Leitura.

REGISTRO
"Padre Cícero Romão Batista e a Família Crajubar"

Maria Laudecy Ferreira de Carvalho
2011
R$ 14,99
96 páginas
Premius

MAIS INFORMAÇÕES:
Lançamento do livro "Padre Cícero Romão Batista e a Família Crajubar", hoje, 9h30, na
ACE (Rua Princesa Isabel, 17, Centro). Contato: (85) 3214.2539


FILIPE PALÁCIO 
REDATOR

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Caravana da Leitura chega a seu último destino em 2011

Caravana da Leitura e do Autor Cearense se despede das praças e colégios de Fortaleza. Durante um semestre, sempre na última sexta-feira de cada mês, a Capital cearense recebeu um forte incentivo à leitura e à valorização de obras e escritores locais.

Para o encerramento, a Companhia Prisma de Artes realiza, dia 25 de agosto (sexta-feira), na Praça Central do Bairro Dias Macedo, mais um evento especial para as crianças. Fica na Avenida Pedro Dantas, sem número, em frente à Escola Antonio Dias Macedo. Será muita diversão e aprendizado com o escritor Almir Mota, o ilustrador e quadrinhista Guabiras, além do Grupo Era Uma Vez.

A Caravana da Leitura venceu o prêmio VII Edital das Artes da Secretaria da Cultura (Secult) do Estado do Ceará, na categoria literatura. De acordo com o coordenador da Caravana da Leitura e diretor da Cia. Prisma de Artes, Raimundo Moreira, a proposta do projeto é descentralizar o acesso à leitura.“A gente teve mais alunos e mais crianças conhecendo a literatura cearense. Conseguimos promover a leitura, incentivar que as crianças escrevam mais sobre o nosso cotidiano nordestino, ampliar atividade para o Interior do Estado”, adianta Raimundo.

Seis praças em seis bairros diferentes de Fortaleza receberam estrutura com tendas, acervo de títulos de autores cearense, tapetes, travesseiros e equipamento de som para contação de histórias. Será uma grande movimentação direcionada às crianças estudantes de escolas públicas, mas aberto a comunidade. Todos os eventos foram gratuitos.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Identidade dá sentido à ação

O tombamento e consequentemente a preservação devem envolver também todo o entorno do equipamento

Ao imaginarmos que um bem será tombado, há a esperança de que ele será recuperado e conservado. A destruição de um equipamento significa mais que a demolição de um prédio, representa a perda de cidadania, de senso de pertencimento à comunidade e da identidade.

Caixas-d´águas do Benfica, inauguradas em 1926, hoje estão obsoletas pelo tempo e pela falta de manutenção
NATINHO RODRIGUES
Uma das estruturas que pode ser recuperada conta a história do abastecimento de água em Fortaleza. Entre o Hospital Instituto Dr. José Frota (IJF) e a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), as Caixas-d´águas do Benfica, inauguradas em 1926, estão entre os bens que aguardam tombamento pela Prefeitura da Capital.

Com simplicidade e uma saudade notável, o flanelinha Edimilson Leite, 56, diz orgulhoso que seu pai trabalhou na construção do bem. Hoje, o local sofre as consequências do esquecimento. "Passo o dia aqui. Toda vez que eu olho pra elas, lembro do meu pai. Este lugar merecia ser valorizado", destaca.

Para o arquiteto, urbanista e professor da UFC, Marcondes Araújo Lima, identidade é a palavra chave para definir o sentido do tombamento. Mais que preservar, tombar é manter viva a identificação de uma sociedade com o seu patrimônio, com a sua história. Essa preservação deve acontecer não apenas com o bem, mas com todo o entorno, já que, se este for destruído, o equipamento também perderá suas características originais.

"O tombamento deve ocorrer em um contexto amplo e isso está sendo feito tardiamente. No caso dos casarões do Jacarecanga, eles estão descaracterizados, perdendo a sua ambiência. É como salvar um paciente, depois do último fôlego".

Significação
O historiador Erick Assis confirma a afirmação e comenta que o que faz um tombamento valer a pena é a significação dele para a comunidade. "É a sociedade ouvida que vai decidir se o que foi tombado é ou não relevante e isso só vai ser identificado descobrindo o sentido do tombamento para a vida de cada um", diz.

Conforme Marcondes Araújo, os tombamentos deveriam acontecer antes de os equipamentos estarem em uma situação extremamente difícil, correndo sérios riscos de desaparecer. Segundo o especialista, o ideal seria que esta preservação ocorresse quando o bem possuísse vida e não apenas quando a sua "alma" não existisse mais. "A história e a memória estão se perdendo. Os tombamentos representam uma vitória tardia, eles deveriam acontecer no auge da existência destes bens. Mas, já é um gatilho acionado".

Marcondes Araújo enfatiza que inúmeros bens estão próximos de desaparecerem. "É preciso fazer mais. Temos espaços fundamentais para a continuidade da nossa história e memória. São tantos bens que o que é feito parece muito pouco".

Como um dos exemplos citados por Marcondes Araújo está a Chácara Flora, localizada na Rua Marechal Deodoro. O local, segundo ele, merece o tombamento, porém há espaços mais importantes sob o ponto de vista histórico e arquitetônico como as obras de Emilio Hinko, primeiro arquiteto a se estabelecer no Ceará, dentre elas a Base Aérea de Fortaleza. "As prioridades vão se confundindo. Os tombamentos devem se manter atentos à cidade. É preciso uma política de continuidade", diz.

Erick Assis relata que por si só a lei não garante a preservação de um bem. É preciso que aconteça uma conjugação de ações, como fiscalização institucional e individual, políticas públicas e privadas de preservação e de educação patrimonial.

Em processo
Casa de Juvenal Galeno

Caixas-d´águas do Benfica

Escola Jesus, Maria e José

Patrimônio Arquitetônico do bairro Jacarecanga: Bangalô de Aristides Capibaribe, Procuradoria da União do Estado do Ceará, Bangalô Amarelo, Vila Filomeno, Antiga Vacaria do Adriano Martins e Casa do Acrísio

Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

Capela do Sagrado Coração de Jesus

Sport Club Maguary

5º Batalhão da Polícia Militar

Samba do Zé Bezerra

Casa da R. Franklin Távora, nº 144

Círculo Operário do Montese

Casa antiga da Rua Tereza Cristina

Colégio Militar de Fortaleza

Chácara Flora

Farmácia Oswaldo Cruz

Paisagem Cultural da Sabiaguaba

Paisagem Cultural do Titanzinho

Maracatu

Casa na Rua Floriano Peixoto

Raimundo dos Queijos

5º Batalhão da polícia militar
5º Batalhão da polícia militar
O prédio que abriga hoje o 5° Batalhão da Polícia Militar é um marco na história do órgão em Fortaleza. Sua construção teve uma duração de cerca de quatro anos, sendo inaugurado em 1927, no governo do então Desembargador Moreira da Rocha. Inicialmente, o local serviria para abrigar o Quartel da Força Pública na Praça dos Coelhos (atual Praça José Bonifácio). Somente em maio de 1972, por meio de decreto, o Quartel do 5º BPM foi criado. A unidade era responsável pelo policiamento ostensivo a pé e motorizado da Capital cearense.

Escola Jesus, Maria e José
Escola Jesus, Maria e José
Dedicada, no início, acolher meninos pobres, a Escola Jesus, Maria e José, construída em 1905, neste momento enfrenta dois dos seus maiores desafios: vencer o abandono e conseguir continuar de pé. O local, marcado hoje pelas pichações e depredação, já foi utilizado para abrigar o Serviço de Profilaxia, o Cine Paroquial e o auditório da Rádio Assunção Cearense. A escola, que pertence à Arquidiocese de Fortaleza, tem processo de tombamento aberto no Governo do Estado. Já neste ano, o espaço foi ocupado por cerca de 350 pessoas.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

História e memória à espera de tombamento

Hoje, 37 bens estão em processo de tombamento no Ceará. Destes, 25 se situam em Fortaleza

Uma das construções mais imponentes do Jacarecanga, o Bangalô de Aristides Capibaribe, aguarda proteção
NATINHO RODRIGUES
Memórias e histórias que estavam próximas de serem para sempre esquecidas podem ainda ter a chance de sobreviver. Reviver tempos que não voltam mais, relembrar momentos importantes e dar a um espaço a oportunidade de ganhar vida novamente são tarefas difíceis de serem cumpridas em um tempo no qual o passado corre o risco de nunca mais ser lembrado.

Casarões, igrejas, colégios, equipamentos que marcaram e continuam marcando e construindo a cada dia a história de Fortaleza. Uma cidade que teima em se desenvolver sem preservar elementos essenciais para que a sua evolução possa ser contada no futuro tendo como base fundamental o respeito à sua arquitetura, à sua arte, aos seus momentos passados. É por meio do tombamento que esta preservação e este respeito podem ocorrer.

Um bem material ou imaterial tombado não pode sofrer alterações sem antes estas serem permitidas por órgãos competentes. A iniciativa é uma ação legal, garantindo que o equipamento estará sob os olhos do poder público. A partir deste processo, os bens são considerados patrimônios histórico-culturais, heranças sociais.

O historiador e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Erick Assis explica que o tombamento em Fortaleza é uma ação inicial importante, após a sua efetivação apenas a comunidade é que decidirá os rumos do ato. Assim como na Capital cearense, o especialista enfatiza que existem em diversas cidades, "casos de tombamento que envergonham por seu abandono e transformam o espaço em tudo, menos em patrimônio histórico".

Em Fortaleza, entre os bens importantes para a constituição dos seus 285 anos, apenas 38 foram tombados pela Prefeitura e Estado, como a Santa Casa de Misericórdia e o Mercado dos Pinhões. Já o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional (IPHAN) tombou 18 equipamentos. No Ceará, a quantidade de bens protegidos pelos poderes públicos soma 74.

Contudo, este número deverá ser ampliado. Neste momento, 37 bens estão em processo de tombamento em todo o Ceará, pela Prefeitura e Estado. Destes, 25 se situam em Fortaleza e aguardam avaliação ou do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Comphic) ou da Coordenação do Patrimônio Artístico, Histórico e Cultural (Copahc), ligada à Secretaria da Cultura (Secult).

Casarões
A chance de preservação e de manter intacto pelo menos o que restou da história, que tenta sobreviver entre ruínas, pichações e abandono, poderá ser dada para bens, como a antiga sede do Sport Club Maguary, o 5º Batalhão da Polícia Militar, a Capela do Sagrado Coração de Jesus, o Colégio Militar de Fortaleza, a Farmácia Oswaldo Cruz e alguns casarões do Patrimônio do Jacarecanga.

Entre oficinas mecânicas, restaurantes e mercados, as antigas mansões que fazem do Jacarecanga um dos bairros mais charmosos de Fortaleza tentam resistir a ação do tempo e das pessoas. Dentre os que persistem em ficar de pé e contar a sua história, alguns foram escolhidos para serem tombados. O Bangalô de Aristides Capibaribe e a Casa de Acrísio Moreira da Rocha, duas das mais imponentes construções do bairro, estão entre os espaços que possuem processo em aberto.

O primeiro, localizado na Avenida Filomeno Gomes, ainda abriga uma família. Marcado pela má conservação, o lugar vai se mantendo como pode. Mesmo com as paredes descascadas e janelas quebradas, o bangalô é um dos símbolos de que a história de Fortaleza está ali, ao lado do ponto de ônibus e do carrinho que vende sanduíches na calçada do casarão.

A situação da Casa do ex-prefeito de Fortaleza, Acrísio Moreira da Rocha, é bem diferente. Paredes pintadas, lustres de cristais e mármores intactos mostram a sua conservação. O movimento de pessoas dá vida ao espaço que, ao ser visitado, possibilita uma viagem no tempo. Hoje, o casarão é sede de órgão da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

Ainda no Jacarecanga, aguardam tombamento o prédio da Procuradoria da União do Estado, o Bangalô Amarelo, a Vila Filomeno e a Antiga Vacaria do Adriano Martins. O historiador Otávio Menezes, da Copahc, explica que os tombamentos podem ser solicitados pelos proprietários, Estado, Município ou Governo Federal. Porém, para se tombar um equipamento não basta apenas o desejo do poder público e da sociedade, é preciso que os proprietários tenham consciência do significado do ato.

A coordenadora do Patrimônio Histórico e Cultural, da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), Clélia Monastério, comenta que a maior dificuldade para se tombar é a aceitação do proprietário que se sente invadido em seu direito de propriedade. "A posse e o cuidado ficam por conta do proprietário. Mas, muitas pessoas não enxergam a importância de possuir um bem reconhecido enquanto patrimônio".

Clélia Monastério informa que apesar dessa ideia ainda se perpetuar, alguns dos 38 bens tombados em Fortaleza iniciaram o processo por meio de ofício próprio, demonstrando que os responsáveis por bens importantes estão buscando o reconhecimento destes. Para um equipamento ser tombado, é necessário que aconteçam estudos rigorosos. "Os bens são protegidos temporariamente a partir da abertura do processo. A decisão é dada pelo Comphic ou pelo Copahc", diz ela.

Segundo Otávio Menezes, se o bem tombado for do Estado ou do Município estes ão responsáveis por eles. "Nem sempre temos os recursos que os bens merecem".

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
A lei por si só não garante preservação
Qual o sentido de se efetivar o tombamento de uma edificação? A princípio esse instrumento legal, de uso exclusivo do poder municipal, estadual ou federal visa preservar determinado registro material ou imaterial que tem relevância para a história de um povo. A população, entretanto, só compreende a necessidade de preservação do seu patrimônio na medida em que conhece a sua história. Uma sociedade, como é o caso da nossa, fundamentada no pragmatismo do imediato e no entendimento de que quase tudo deve ser convertido em mercadoria, dificilmente percebe o significado histórico e a importância de seus edifícios, espaços e monumentos. Este desconhecimento se torna um grande entrave que se coloca diante da necessidade do resgate da história e da preservação de seus registros. O emprego de instrumento legal não garante, de forma imediata e direta, a preservação do equipamento tombado, principalmente quando esse é de propriedade privada, o que faz com que, normalmente, o tombamento seja compreendido como uma forma de congelamento do imóvel, impedindo sua reforma ou sua modificação de uso. No caso de Fortaleza, ainda há muito a ser feito no sentido de realizar tombamentos de imóveis isolados e de sítios históricos. Embora percebamos um avanço no intuito de preservar o patrimônio edificado da cidade, desafio maior ainda está por ser iniciado: disseminar a compreensão de todos os benefícios da preservação de seus registros históricos.

Augusto César Paiva
Arquiteto e urbanista


Colégio Militar de Fortaleza
Colégio Militar de Fortaleza
Estar entre os 25 equipamentos da Capital que possuem processo de tombamento aberto não é por acaso. O Colégio Militar de Fortaleza é uma das instituições importantes na história da educação e da arquitetura da cidade. Inicialmente, o local funcionaria como Asilo de Mendicidade, abrigo para vítimas da seca. A partir de 1892, o prédio passou a sediar quatro estabelecimentos de ensino do Exército: Escola Militar do Ceará, Colégio Militar do Ceará, Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza e Colégio Militar de Fortaleza

Casa de Juvenal Galeno
Casa de Juvenal Galeno
O pedido pelo tombamento da Casa de Juvenal Galeno partiu de Antônio Galeno, neto do poeta cearense. O processo foi aberto em julho de 2010. Segundo Antônio, o imóvel sendo um bem tombado e assim um patrimônio histórico e cultural os seus detalhes originais, história e memória estarão para sempre protegidos de destruições. “A Casa terá mais divulgação, mais atenção, assim como a cultura cearense”. Hoje, o local, que funciona há 93 anos, é considerado referência cultural no Estado, especialmente, com relação à literatura popular

Jéssica Petrucci 
Repórter

Fonte: Diário do Nordeste

Viajando nas letras

A Academia Cearense de Letras abre amanhã o ciclo de conferências Literatura e Viagem, abordando a relação dos grandes escritores com diversos espaços visitados



 Ednilo Soares, atual presidente da Academia Cearense de Letras, e o escritor Pedro Paulo Montenegro (KLÉBER A.  GONÇALVES )
Um bom livro é capaz de fazer o leitor sair do seu espaço físico e temporal por uns instantes e viajar e tempos para lugares inimagináveis. Seguindo o percurso das letras, é possível visitar cidades e países do outro lado, voltar no tempo ou ver como vai ser o futuro, ser os mais diversos personagens. Até mesmo criar uma nova realidade, um povo, uma nação e uma história é possível.

Pegando essa qualidade mágica, própria da literatura, a mais importante instituição literária do Estado, a Academia Cearense de Letras (ACL), dá início amanhã (23) ao seu 11º ciclo de conferências, este ano intitulado Literatura e Viagem. Até o mês de novembro, serão 24 encontros com grandes nomes da literatura cearense para discutir a relação dos livros e seus escritores com lugares imaginados, visitados ou não. De que forma os autores absorvem as diferentes culturas por onde passam. Os encontros acontecem às terças e quintas, às 17 horas, na sede da Academia, no Palácio da Luz (Centro). As inscrições são gratuitas e os participantes que assistirem 80% das palestras recebem diploma.

A abertura acontece com a palestra O sonho do celta de Vargas Llosa: uma travessia por três continentes, com a romancista, ensaísta e poetisa fortalezense Angela Gutiérrez. Próxima quinta-feira (25), Pedro Paulo Montenegro, professor, jurista e jornalista de Quixadá, fala sobre o segundo livro mais vendido do mundo (depois da bíblia sagrada) em Viagens à Espanha de Dom Quixote. “Como eu gosto muito da Espanha, vou fazer um passeio pelo cenário histórico do Cervantes (séculos XVI e XVII) mostrando como estava a Europa naquela época”. Dia 10 de novembro, Pedro volta para fazer uma Viagem à obra de Lima Barreto: O homem e o escritor. No encontro, ele revela detalhes sobre a vida do escritor carioca, nascido escravo, que viveu entre problemas com o alcoolismo e internações psiquiátricas causadas pela depressão, até morrer aos 41 anos.

“Esses debates são um meio de divulgar a literatura do nosso estado e os trabalhos realizados pela ACL”, explica o escritor e educador Ednilo Soares, um dos imortais da instituição, assim como Pedro Paulo. “Costumo dizer que o cearense, é, antes de tudo, um literato. São muitos livros publicados mensalmente. Sem dúvidas, são muitos escritores bons. E acabou aquele complexo de vira-lata que só vê qualidade nos que vêm de fora”, aponta Ednilo.

Ele acrescenta ainda que o ciclo de conferências é importante não só pra conhecer mais sobre a literatura como também para fazer uma visita às dependências da Academia. Fundada em 15 de agosto de 1894, três anos antes da Academia Brasileira de Letras, a ACL funciona num casarão construído no século XIX que abriga outras 14 entidades. Entre elas a Academia Fortalezense de Letras, Academia Cearense da Língua Portuguesa e a Academia Feminina de Letras. Sem fins lucrativos, a entidade realiza também projetos de incentivos à leitura, como a Academia dos Estudantes, que já funciona nos colégios Maria Ester, Dáulia Bringel e 7 de Setembro, e recebe diariamente visitantes e pesquisadores para consultas na biblioteca. Para Ednilo Soares, o incentivo a leitura é, sem dúvidas, o maior trabalho da academia. “Quem lê tem sempre o conselho de um sábio. O livro é o professor mais paciente. Não há raiva que não passe com duas horas de leitura”.

LITERATURA E VIAGEM
O que: ciclo de conferências literárias promovidos pela ACL.
Quando: às terças e quintas, de 23 de agosto a 22 de novembro. Às 17 horas.
Onde: Academia Cearense de Letras (Rua do Rosário, nº 1 – Centro)
Quanto: aberto ao público. Inscrições na ACL
Outras informações: 3253.4275 ou 3253.0489.
Veja programação completa no www.opovo.com.br

Marcos Sampaio
marcossamapaio@opovo.com.br

Fonte: O Povo

Príncipe da fotografia

Aos 44 anos, o fotógrafo Tiago Santana conversa sobre sua relação com o sertão cearense e sua maneira de compreender o mundo por meio de imagens 




Foto: Iana Soares
Para os amigos mais íntimos, ele é conhecido como o “príncipe da fotografia”, pela delicadeza do olhar, o belo semblante e a voz mansa. Para o circuito das artes, Tiago Santana, 44 anos, é hoje um dos principais fotógrafos em evidência não só no Ceará, mas no Brasil. Seus ensaios em preto e branco, de cenas fragmentadas, de gente do sertão, ganharam até repercussão mundo afora. As imagens de Tiago foram parar na mais recente edição da Photo Poche, famosa e tradicional publicação francesa, criada e dirigida por Robert Delpire (editor de grandes nomes da fotografia, como Henri Cartier-Bresson e Robert Frank). Apenas outro fotógrafo brasileiro chegou a publicar nesta coleção: o premiado Sebastião Salgado.

Natural do Crato, Tiago reconheceu no Cariri seu universo particular afetivo, que passou a ser capturado por meio de suas lentes. A relação com o sertão originou seus dois principais ensaios fotográficos, que renderam exposições e livros: Benditos (2000) e O Chão de Graciliano (2006). Na semana em que se comemorou o Dia Mundial da Fotografia (19 de agosto), Tiago Santana recebeu O POVO em seu escritório para uma conversa descontraída, em uma manhã de quarta-feira. Na entrevista, ele recorda sua infância, momentos da carreira, fala sobre a família e defende sua visão de mundo com base nas relações humanas.

O POVO - Você nasceu no Crato. De que forma o Cariri influenciou na sua formação?
Tiago Santana - Minha família nunca teve ligação com Juazeiro, a não ser minha avó que nasceu lá. Mas meu pai é de Quixeramobim e minha mãe nasceu em Fortaleza. Os dois se conheceram na universidade. Minha mãe como assistente social e meu pai na área de engenharia. Eles se casaram. Meu pai passou no concurso da Petrobras. Eles sempre foram muito ligados à militância política. Foram para a Bahia e foi lá que nasceu minha irmã Andréa (arquiteta). Só que chegando na Bahia, como meu pai continuou militando, ele foi demitido e teve que voltar para Fortaleza. Um amigo dele, João Parente, tinha um projeto na universidade para implantar empresas adaptadas à região. Estavam precisando de engenheiro no Cariri. Aí ele ficou 20 anos ali. Então, nasci eu, Camilo e Isabel. Eu brinco, mas foi a ditadura que me levou para Juazeiro (risos). Nasci lá por conta dessa história. Dei meus primeiros passos de vida lá, onde passei minha infância e adolescência. Só vim para Fortaleza na época do científico. Como você bem sabe, o Cariri é um lugar particular. Ali virou uma síntese do Nordeste. É uma mistura de gente, com uma riqueza cultural grande. Visualmente é fantástico e misterioso. Para uma criança, é algo que marca. É claro que havia a abertura dos meus pais para aquele universo. Não é só nascer ali, mas ter uma relação próxima com aquele lugar.

OP - Mas como foi sua primeira relação com a fotografia? Sei de uma história que você escondeu uma câmera do seu pai...
Tiago - E que enterrei? Nem sei como ele contou isso, porque na verdade eu nem tinha razão para enterrar a câmera (risos). Não sei se peguei e não pedi. Não lembro o que foi. Meu pai fotografava por hobby. Tinha um laboratório, ampliava. Além da relação com a imagem, ele tinha um Super 8. Meu pai ainda militava e fazia muitas reuniões com a comunidade. Para fazer uma apresentação, ele fazia filmes sobre associativismo em Super 8. Só que chovia de criança e eu levava outro projetor de Super 8 para exibir em paralelo filmes de desenho animado para as crianças. Aí comecei a fazer pequenos filmes. Ainda tenho alguns guardados... Além disso, tem outra relação familiar, que é o Zé Albano. Minha mãe só tem um irmão, o Everardo, que é casado com a irmã do Zé Albano, a Teresa. Desde pequeno, eu convivo com o Zé Albano, que sempre teve uma vida particular. Ele e o irmão Maurício tinham um estúdio na casa da mãe deles, perto da avenida Bezerra de Menezes. Lembro que visitava lá. Observava muito o trabalho dele, admirava a produção dele. A primeira foto que expus aprendi com o Zé Albano. Ainda tem outro momento decisivo. Morei um ano fora, nos Estados Unidos, e voltei a Fortaleza para estudar engenharia mecânica...

OP - Por que engenharia?
Tiago - Devido à influência do meu pai, que era engenheiro. Não pensava que a fotografia era algo que levasse para frente. Na época da engenharia, antes do Collor, tinha o Instituto Nacional de Fotografia, na Funarte, que organizava semanas nacionais de fotografia, que eram itinerantes. Houve um intercâmbio grande de fotógrafos. Foi onde conheci Miguel Chikaoka, de Belém, e todo um movimento que mapeava a fotografia no Brasil. Aqui em Fortaleza, boa parte do encontro aconteceu na Universidade Federal do Ceará. Dentro da engenharia, eu frequentava muito a arquitetura, por causa da minha irmã. Comecei a fotografar os projetos dos amigos dela. Percebi este encontro por acaso. Percebi que a fotografia, que era algo paralelo na minha vida, tinha uma importância enorme, que havia pessoas que refletiam sobre a fotografia. Era algo maior. Foi neste momento que abriu minha cabeça. Aí comecei a pesquisar e era uma época difícil, porque não tinha Internet. Fui para outros encontros de fotografia, abandonei a engenharia. É um curso que nunca terminei. Não existiam cursos de graduação na área de imagem. A formação da minha geração foi na oficinas dos encontros, pelos livros.

OP - A compra da primeira câmera profissional foi nesta época?
Tiago - Comprei uma Nikon FM2, que até hoje adoro. A partir do momento que decidi fazer fotografia, só tinha na minha cabeça o universo de Juazeiro. Queria documentar aquele lugar.

OP - Foi daí que nasceu o projeto do Benditos?
Tiago - Sim. O processo de construção do Benditos foi minha formação. Eu me amadureci como pessoa e fotógrafo, fazendo este projeto. Acredito que acertei no meu percurso, de pegar um projeto e mergulhar nele. Para quem está iniciando, é fundamental. Paralelamente eu continuava participando dos encontros, das oficinas. Durante o processo de oito anos do Benditos, não fiz nenhuma exposição. Eu compartilhava com os amigos, participava de exposições coletivas, mas não fazia exposição só minha. Meu objetivo era estar com o trabalho amadurecido a ponto de expor. Fiquei este tempo todo mergulhado neste universo de Juazeiro, que sempre foi muito fotografado. Era a tentativa de fazer algo, com uma relação mais intensa com o lugar e que não fosse foto-reportagem simplesmente. Alguém que tivesse ali compartilhando esta experiência de mistério, sem a intenção de questionar a figura do Padre Cícero, mas falar da relação das pessoas com o sagrado. Traduzir isto em fotografia. Em oito anos, imagina a quantidade de negativo que tenho! Quando você vai editar um trabalho, há vários caminhos que você pode seguir. A maior dificuldade do trabalho é editar, dar uma coerência a ele. O Benditos poderia ser algo mais documental, mas é algo que não entrega tudo e deixa uma certa margem para quem está olhando. Tem gente que diz que meu trabalho tem planos muito cortados, mas na verdade é algo intuitivo, que surgiu naturalmente.

OP - Foi aí que você descobriu um método ou um estilo próprio?
Tiago - Tem gente que olha para uma fotografia minha e vê isso. Dentro deste processo, tem outra figura importante: o Celso Oliveira, que era carioca e veio morar aqui. Aqui em Fortaleza, o que se tinha de fotografia era na publicidade. O Celso veio do jornalismo, chega no Ceará e mergulha na publicidade, porque era a forma de sobreviver. Ele conseguiu conciliar as duas coisas: fazer algo de mercado e algo mais pessoal e autoral. Foi aí que fiz a minha primeira exposição com ele, chamada Quem Somos Nós. O Celso me acompanhou muito no processo de Juazeiro, me ajudando a construir minha forma de ver. Se tem uma lógica que criei, acredito que não existe. Existe um processo de aprendizado e de troca. A fotografia não é só eu com minha câmera. Ali tem toda minha história, minha bagagem, a troca de experiências com outras pessoas. Existe a relação com meu universo e também a relação com o fotografado. Sou fotógrafo de gente. De certa forma, no início, foi uma busca de me comunicar. Sempre fui muito tímido. Hoje nem tanto, mas na época eu era. Quando tem o resultado de uma exposição, é fruto de um diálogo. É um compartilhamento de saberes, de ideias, onde brota um trabalho com força. Sempre fui uma pessoa ligada ao coletivo. Entrei inclusive numa seara de organização de encontros de fotografia. Sempre fui militante no pensar do coletivo. Meu aprendizado foi de compartilhar experiências. Tem esse lado de articular, de fazer pontes. Nos Benditos, fui mandando para editais, que possibilitaram viabilizar o trabalho. No início, achava que as fotos eram muito gráficas, frias, talvez por causa da influência da arquitetura. Fui mudando para algo mais humano, emotivo. Na medida em que você vai amadurecendo, encontrei uma forma de ter uma linguagem própria, com densidade.

OP - Sobre este aspecto humano, não só de Benditos como de O Chão de Graciliano, como acontece sua relação com as pessoas fotografadas, já que são processos que duraram anos para serem feitos?
Tiago - A câmera me ajudou muito no processo de chegar perto, mas nunca usei uma teleobjetiva. Nada contra, mas a pessoa olha e já percebe logo o tamanho da lente. As pessoas endeusam o equipamento. O Miguel Chikaoka desmistificou o equipamento fotográfico para mim. Você pode fazer uma foto boa até mesmo com uma pinhole, uma latinha com papel dentro. O fundamental é sua relação com o olhar, em pensar o trabalho. O equipamento é um acessório importante, até porque fotografia tem a ver com a técnica, mas tem que ser deixado em segundo plano. A relação está mais além. É o chegar no outro. Sou um fotógrafo muito discreto, por conta da timidez. E no interior, há um acolhimento muito grande. O fato de você estar ali interagindo com eles, interessado na vida deles... No fundo, uso a câmera para contar histórias minhas e da relação com o outro. Só tem sentido essa relação se for em duas vias. Não é chegar logo de repente. Sempre fui muito cuidadoso com isso, uso equipamento pequeno, discreto e tento construir diálogo com outro, inclusive de respeito. Tem que ser recebido e se deixar ser recebido. Há momentos em que fico e nem fotografo. Acho que é mais importante esta relação do que o resultado. É estranho um fotógrafo dizendo isso, mas é verdade! (risos) Esta troca é tão forte que a fotografia não dá conta. Aqui acolá sai uma foto perto disso. Se a gente pudesse ter uma câmera no olho – do jeito que tá daqui a pouco vamos ter isso – seria melhor e menos invasivo. Às vezes, nem fotografo. Fico horas conversando, tomando café. Acho que a coisa flui. Lembro de cenas em que fotografava e aí surgiam coisas: uma mulher trazia um papagaio.... Começa a construção de uma cena, que não foi você que pediu, mas que foi acontecendo. Tem horas que parece um transe. No processo dos Benditos, a romaria era um lugar de profusão, as imagens aconteciam e você tinha que ter sensibilidade para capturar aquilo. Sou um cara que fotografo muito.

OP - Você demora muito para fazer uma imagem ou depende da situação?
Tiago - Eu fotografo muito. É intuitivo e, às vezes, nem sei o que fiz direito e vou olhar em outro momento. Às vezes, nem sei o que fiz. Na medida em que você se envolve, isso muda um pouco. Um trabalho que tem força é aquele que você se entrega e se coloca. Não é porque tenho uma marca, mas um envolvimento, uma coerência de conjunto. Acredito que quando um autor se entrega a um trabalho, ele ganha personalidade e força. Meu trabalho é analógico. Tenho um pouco de digital, mas gosto mais de analógico. Não por preconceito com o digital, mas porque parece que, com o digital, me falta alguma coisa. Pode ser bobagem, mas é do processo. Nasci numa época do analógico. A relação com o filme é muito próxima. Aprendi a editar só olhando para o negativo. Quando você bate o olho no desenho, a imagem logo se destaca. É inevitável. Acho que era o Cartier-Bresson que dizia: “se você quer ver uma foto boa, olhe de cabeça para baixo”. É para ver se ela funciona (risos). Tenho uma relação física com a foto. Adoro o negativo.

OP - Dentro do contexto atual onde cada vez mais imagens são produzidas e se perdem, qual o compromisso da fotografia?
Tiago - Tentar pensar e refletir mais sobre essa produção. Quais imagens estão circulando? Esse é o papel do fotógrafo de hoje. O que vai ficar é pouco. Mas vão ficar coisas que vão construir nosso imaginário e vão dar conta do que vivemos. O fotógrafo tem responsabilidade de refletir sobre isso. Não é fácil, porque estamos em um momento de complexidade grande. Mas aí é que está o poder do fotógrafo, ou melhor, sua responsabilidade. De não jogar estas imagens à toa, de pensar sobre elas. 

PERFIL

Tiago Santana nasceu em 7 de setembro de 1966, no Crato. É filho do ex-deputado estadual Eudoro Santana e da assistente social Hemengarda Santana. Seus irmãos são a arquiteta Andréa Santana, o secretário de Cidades do Estado, Camilo Santana, e Isabel Santana, que é editora. Com os fotógrafos Celso Oliveira e Tibico Brasil, Tiago fundou a Editora Tempo d’Imagem, em 1994. Ele já foi contemplado com a Bolsa Vitae de Arte, em 1994, e com o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, pela Funarte, no ano seguinte. Em 2008 e 2009, foi o ganhador do prêmio O Melhor da Fotografia no Brasil, como fotógrafo documentarista. No ano passado, recebeu o Prêmio Porto Seguro Brasil de Fotografia. É casado com a psicóloga Luciana Lobo e tem dois filhos - João, 13; e Maria, 10.

AS FOTOGRAFIAS EM ENSAIOS

Benditos (2000)
Durante oito anos, Tiago Santana fotografou Juazeiro do Norte, seu povo, as romarias, o lugar onde viveu Padre Cícero. O resultado é presente em 70 fotos, que dimensionam o universo dos fiéis e sua relação com o sagrado.


O Chão de Graciliano (2006)
Com textos do jornalista Audálio Dantas, o ensaio homenageia a vida e a obra do escritor Graciliano Ramos, a partir de imagens que remontam seu universo criativo. É o resultado de várias viagens ao sertão de Alagoas e Pernambuco, para o ensaio fotográfico feito para a exposição homônima.


Patativa do Assaré: O Sertão Dentro de Mim (2010)
A vida e o imaginário do poeta cearense Patativa do Assaré são dimensionados pelas fotos de Tiago e os textos do pesquisador Gilmar de Carvalho. No prefácio, o escritor Xico Sá vaticina que Patativa é o “Guimarães Rosa da poesia”, pela eficácia em traduzir o sertão em palavras.


Sertão (2011)
Dentro da famosa coleção francesa Photo Poche, o livro abrange 71 fotografias realizadas por Tiago Santana entre 1992 e 2006. Com esta publicação, o trabalho de Tiago é reconhecido internacionalmente e ele é o segundo fotógrafo brasileiro, depois de Sebastião Salgado, a publicar nesta importante coleção.
1989

ESTREIA
É o ano em que Tiago Santana começou sua carreira como fotógrafo

70

OBRA
É o número de fotos que fazem parte do ensaio do livro Benditos

O primeiro contato com Tiago Santana para as Páginas Azuis foi feito numa segunda, dia 15 de agosto. O celular do fotógrafo estava fora da área de cobertura. Uma ligação à casa dele constatou: Tiago tinha viajado para Icapuí para comemorar o dia dos pais com os filhos e esticou a viagem no feriadão de Nossa Senhora da Assunção.

Com o celular desligado, o convite foi feito por e-mail. A entrevista foi marcada para as nove horas de quarta-feira (17 de agosto). No dia anterior, Tiago abriu no Centro Cultural Banco do Nordeste a exposição coletiva Correspondências Visuais, em parceria com os fotógrafos Marcelo Brodsky, da Argentina, e Cássio Vasconcelos, de São Paulo.

No horário marcado, Tiago abre a porta do escritório, com olhar tímido. Mas logo o gelo é quebrado ao perceber que a repórter estava acompanhada da fotógrafa Iana Soares, que ele já conhecia de longa data. “Que surpresa boa!”, confessou.

O escritório de Tiago Santana é repleto de suas fotografias ampliadas em preto e branco. Durante a entrevista, ele serviu café e água para a equipe. Cada pergunta era respondida com calma, sem pressa para terminar. Algumas digressões o faziam esquecer das perguntas, que eram prontamente retomadas pela repórter.

Ao final da entrevista, Iana pergunta se Tiago é religioso. Ele responde: “Não sei. Talvez. Mais por causa da minha relação com as pessoas do sertão, que acreditam no sagrado. Mas não sou devoto”.

Durante as sessões de foto que ilustram esta entrevista, Tiago demonstrou desconforto diante da teleobjetiva de Iana. “É estranho ser fotografado”, soltou.

Camila Vieira
camilavieira@opovo.com.br

Fonte: O Povo