Hoje, 37 bens estão em processo de tombamento no Ceará. Destes, 25 se situam em Fortaleza
Memórias e histórias que estavam próximas de serem para sempre esquecidas podem ainda ter a chance de sobreviver. Reviver tempos que não voltam mais, relembrar momentos importantes e dar a um espaço a oportunidade de ganhar vida novamente são tarefas difíceis de serem cumpridas em um tempo no qual o passado corre o risco de nunca mais ser lembrado.
Casarões, igrejas, colégios, equipamentos que marcaram e continuam marcando e construindo a cada dia a história de Fortaleza. Uma cidade que teima em se desenvolver sem preservar elementos essenciais para que a sua evolução possa ser contada no futuro tendo como base fundamental o respeito à sua arquitetura, à sua arte, aos seus momentos passados. É por meio do tombamento que esta preservação e este respeito podem ocorrer.
Um bem material ou imaterial tombado não pode sofrer alterações sem antes estas serem permitidas por órgãos competentes. A iniciativa é uma ação legal, garantindo que o equipamento estará sob os olhos do poder público. A partir deste processo, os bens são considerados patrimônios histórico-culturais, heranças sociais.
O historiador e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Erick Assis explica que o tombamento em Fortaleza é uma ação inicial importante, após a sua efetivação apenas a comunidade é que decidirá os rumos do ato. Assim como na Capital cearense, o especialista enfatiza que existem em diversas cidades, "casos de tombamento que envergonham por seu abandono e transformam o espaço em tudo, menos em patrimônio histórico".
Em Fortaleza, entre os bens importantes para a constituição dos seus 285 anos, apenas 38 foram tombados pela Prefeitura e Estado, como a Santa Casa de Misericórdia e o Mercado dos Pinhões. Já o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional (IPHAN) tombou 18 equipamentos. No Ceará, a quantidade de bens protegidos pelos poderes públicos soma 74.
Contudo, este número deverá ser ampliado. Neste momento, 37 bens estão em processo de tombamento em todo o Ceará, pela Prefeitura e Estado. Destes, 25 se situam em Fortaleza e aguardam avaliação ou do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Comphic) ou da Coordenação do Patrimônio Artístico, Histórico e Cultural (Copahc), ligada à Secretaria da Cultura (Secult).
Casarões
A chance de preservação e de manter intacto pelo menos o que restou da história, que tenta sobreviver entre ruínas, pichações e abandono, poderá ser dada para bens, como a antiga sede do Sport Club Maguary, o 5º Batalhão da Polícia Militar, a Capela do Sagrado Coração de Jesus, o Colégio Militar de Fortaleza, a Farmácia Oswaldo Cruz e alguns casarões do Patrimônio do Jacarecanga.
Entre oficinas mecânicas, restaurantes e mercados, as antigas mansões que fazem do Jacarecanga um dos bairros mais charmosos de Fortaleza tentam resistir a ação do tempo e das pessoas. Dentre os que persistem em ficar de pé e contar a sua história, alguns foram escolhidos para serem tombados. O Bangalô de Aristides Capibaribe e a Casa de Acrísio Moreira da Rocha, duas das mais imponentes construções do bairro, estão entre os espaços que possuem processo em aberto.
O primeiro, localizado na Avenida Filomeno Gomes, ainda abriga uma família. Marcado pela má conservação, o lugar vai se mantendo como pode. Mesmo com as paredes descascadas e janelas quebradas, o bangalô é um dos símbolos de que a história de Fortaleza está ali, ao lado do ponto de ônibus e do carrinho que vende sanduíches na calçada do casarão.
A situação da Casa do ex-prefeito de Fortaleza, Acrísio Moreira da Rocha, é bem diferente. Paredes pintadas, lustres de cristais e mármores intactos mostram a sua conservação. O movimento de pessoas dá vida ao espaço que, ao ser visitado, possibilita uma viagem no tempo. Hoje, o casarão é sede de órgão da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
Ainda no Jacarecanga, aguardam tombamento o prédio da Procuradoria da União do Estado, o Bangalô Amarelo, a Vila Filomeno e a Antiga Vacaria do Adriano Martins. O historiador Otávio Menezes, da Copahc, explica que os tombamentos podem ser solicitados pelos proprietários, Estado, Município ou Governo Federal. Porém, para se tombar um equipamento não basta apenas o desejo do poder público e da sociedade, é preciso que os proprietários tenham consciência do significado do ato.
A coordenadora do Patrimônio Histórico e Cultural, da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), Clélia Monastério, comenta que a maior dificuldade para se tombar é a aceitação do proprietário que se sente invadido em seu direito de propriedade. "A posse e o cuidado ficam por conta do proprietário. Mas, muitas pessoas não enxergam a importância de possuir um bem reconhecido enquanto patrimônio".
Clélia Monastério informa que apesar dessa ideia ainda se perpetuar, alguns dos 38 bens tombados em Fortaleza iniciaram o processo por meio de ofício próprio, demonstrando que os responsáveis por bens importantes estão buscando o reconhecimento destes. Para um equipamento ser tombado, é necessário que aconteçam estudos rigorosos. "Os bens são protegidos temporariamente a partir da abertura do processo. A decisão é dada pelo Comphic ou pelo Copahc", diz ela.
Segundo Otávio Menezes, se o bem tombado for do Estado ou do Município estes ão responsáveis por eles. "Nem sempre temos os recursos que os bens merecem".
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
A lei por si só não garante preservação
Qual o sentido de se efetivar o tombamento de uma edificação? A princípio esse instrumento legal, de uso exclusivo do poder municipal, estadual ou federal visa preservar determinado registro material ou imaterial que tem relevância para a história de um povo. A população, entretanto, só compreende a necessidade de preservação do seu patrimônio na medida em que conhece a sua história. Uma sociedade, como é o caso da nossa, fundamentada no pragmatismo do imediato e no entendimento de que quase tudo deve ser convertido em mercadoria, dificilmente percebe o significado histórico e a importância de seus edifícios, espaços e monumentos. Este desconhecimento se torna um grande entrave que se coloca diante da necessidade do resgate da história e da preservação de seus registros. O emprego de instrumento legal não garante, de forma imediata e direta, a preservação do equipamento tombado, principalmente quando esse é de propriedade privada, o que faz com que, normalmente, o tombamento seja compreendido como uma forma de congelamento do imóvel, impedindo sua reforma ou sua modificação de uso. No caso de Fortaleza, ainda há muito a ser feito no sentido de realizar tombamentos de imóveis isolados e de sítios históricos. Embora percebamos um avanço no intuito de preservar o patrimônio edificado da cidade, desafio maior ainda está por ser iniciado: disseminar a compreensão de todos os benefícios da preservação de seus registros históricos.
Augusto César Paiva
Arquiteto e urbanista
Colégio Militar de Fortaleza
Estar entre os 25 equipamentos da Capital que possuem processo de tombamento aberto não é por acaso. O Colégio Militar de Fortaleza é uma das instituições importantes na história da educação e da arquitetura da cidade. Inicialmente, o local funcionaria como Asilo de Mendicidade, abrigo para vítimas da seca. A partir de 1892, o prédio passou a sediar quatro estabelecimentos de ensino do Exército: Escola Militar do Ceará, Colégio Militar do Ceará, Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza e Colégio Militar de Fortaleza
Casa de Juvenal Galeno
O pedido pelo tombamento da Casa de Juvenal Galeno partiu de Antônio Galeno, neto do poeta cearense. O processo foi aberto em julho de 2010. Segundo Antônio, o imóvel sendo um bem tombado e assim um patrimônio histórico e cultural os seus detalhes originais, história e memória estarão para sempre protegidos de destruições. “A Casa terá mais divulgação, mais atenção, assim como a cultura cearense”. Hoje, o local, que funciona há 93 anos, é considerado referência cultural no Estado, especialmente, com relação à literatura popular
Jéssica Petrucci
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste
Uma das construções mais imponentes do Jacarecanga, o Bangalô de Aristides Capibaribe, aguarda proteção NATINHO RODRIGUES |
Casarões, igrejas, colégios, equipamentos que marcaram e continuam marcando e construindo a cada dia a história de Fortaleza. Uma cidade que teima em se desenvolver sem preservar elementos essenciais para que a sua evolução possa ser contada no futuro tendo como base fundamental o respeito à sua arquitetura, à sua arte, aos seus momentos passados. É por meio do tombamento que esta preservação e este respeito podem ocorrer.
Um bem material ou imaterial tombado não pode sofrer alterações sem antes estas serem permitidas por órgãos competentes. A iniciativa é uma ação legal, garantindo que o equipamento estará sob os olhos do poder público. A partir deste processo, os bens são considerados patrimônios histórico-culturais, heranças sociais.
O historiador e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Erick Assis explica que o tombamento em Fortaleza é uma ação inicial importante, após a sua efetivação apenas a comunidade é que decidirá os rumos do ato. Assim como na Capital cearense, o especialista enfatiza que existem em diversas cidades, "casos de tombamento que envergonham por seu abandono e transformam o espaço em tudo, menos em patrimônio histórico".
Em Fortaleza, entre os bens importantes para a constituição dos seus 285 anos, apenas 38 foram tombados pela Prefeitura e Estado, como a Santa Casa de Misericórdia e o Mercado dos Pinhões. Já o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional (IPHAN) tombou 18 equipamentos. No Ceará, a quantidade de bens protegidos pelos poderes públicos soma 74.
Contudo, este número deverá ser ampliado. Neste momento, 37 bens estão em processo de tombamento em todo o Ceará, pela Prefeitura e Estado. Destes, 25 se situam em Fortaleza e aguardam avaliação ou do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Comphic) ou da Coordenação do Patrimônio Artístico, Histórico e Cultural (Copahc), ligada à Secretaria da Cultura (Secult).
Casarões
A chance de preservação e de manter intacto pelo menos o que restou da história, que tenta sobreviver entre ruínas, pichações e abandono, poderá ser dada para bens, como a antiga sede do Sport Club Maguary, o 5º Batalhão da Polícia Militar, a Capela do Sagrado Coração de Jesus, o Colégio Militar de Fortaleza, a Farmácia Oswaldo Cruz e alguns casarões do Patrimônio do Jacarecanga.
Entre oficinas mecânicas, restaurantes e mercados, as antigas mansões que fazem do Jacarecanga um dos bairros mais charmosos de Fortaleza tentam resistir a ação do tempo e das pessoas. Dentre os que persistem em ficar de pé e contar a sua história, alguns foram escolhidos para serem tombados. O Bangalô de Aristides Capibaribe e a Casa de Acrísio Moreira da Rocha, duas das mais imponentes construções do bairro, estão entre os espaços que possuem processo em aberto.
O primeiro, localizado na Avenida Filomeno Gomes, ainda abriga uma família. Marcado pela má conservação, o lugar vai se mantendo como pode. Mesmo com as paredes descascadas e janelas quebradas, o bangalô é um dos símbolos de que a história de Fortaleza está ali, ao lado do ponto de ônibus e do carrinho que vende sanduíches na calçada do casarão.
A situação da Casa do ex-prefeito de Fortaleza, Acrísio Moreira da Rocha, é bem diferente. Paredes pintadas, lustres de cristais e mármores intactos mostram a sua conservação. O movimento de pessoas dá vida ao espaço que, ao ser visitado, possibilita uma viagem no tempo. Hoje, o casarão é sede de órgão da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
Ainda no Jacarecanga, aguardam tombamento o prédio da Procuradoria da União do Estado, o Bangalô Amarelo, a Vila Filomeno e a Antiga Vacaria do Adriano Martins. O historiador Otávio Menezes, da Copahc, explica que os tombamentos podem ser solicitados pelos proprietários, Estado, Município ou Governo Federal. Porém, para se tombar um equipamento não basta apenas o desejo do poder público e da sociedade, é preciso que os proprietários tenham consciência do significado do ato.
A coordenadora do Patrimônio Histórico e Cultural, da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), Clélia Monastério, comenta que a maior dificuldade para se tombar é a aceitação do proprietário que se sente invadido em seu direito de propriedade. "A posse e o cuidado ficam por conta do proprietário. Mas, muitas pessoas não enxergam a importância de possuir um bem reconhecido enquanto patrimônio".
Clélia Monastério informa que apesar dessa ideia ainda se perpetuar, alguns dos 38 bens tombados em Fortaleza iniciaram o processo por meio de ofício próprio, demonstrando que os responsáveis por bens importantes estão buscando o reconhecimento destes. Para um equipamento ser tombado, é necessário que aconteçam estudos rigorosos. "Os bens são protegidos temporariamente a partir da abertura do processo. A decisão é dada pelo Comphic ou pelo Copahc", diz ela.
Segundo Otávio Menezes, se o bem tombado for do Estado ou do Município estes ão responsáveis por eles. "Nem sempre temos os recursos que os bens merecem".
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
A lei por si só não garante preservação
Qual o sentido de se efetivar o tombamento de uma edificação? A princípio esse instrumento legal, de uso exclusivo do poder municipal, estadual ou federal visa preservar determinado registro material ou imaterial que tem relevância para a história de um povo. A população, entretanto, só compreende a necessidade de preservação do seu patrimônio na medida em que conhece a sua história. Uma sociedade, como é o caso da nossa, fundamentada no pragmatismo do imediato e no entendimento de que quase tudo deve ser convertido em mercadoria, dificilmente percebe o significado histórico e a importância de seus edifícios, espaços e monumentos. Este desconhecimento se torna um grande entrave que se coloca diante da necessidade do resgate da história e da preservação de seus registros. O emprego de instrumento legal não garante, de forma imediata e direta, a preservação do equipamento tombado, principalmente quando esse é de propriedade privada, o que faz com que, normalmente, o tombamento seja compreendido como uma forma de congelamento do imóvel, impedindo sua reforma ou sua modificação de uso. No caso de Fortaleza, ainda há muito a ser feito no sentido de realizar tombamentos de imóveis isolados e de sítios históricos. Embora percebamos um avanço no intuito de preservar o patrimônio edificado da cidade, desafio maior ainda está por ser iniciado: disseminar a compreensão de todos os benefícios da preservação de seus registros históricos.
Augusto César Paiva
Arquiteto e urbanista
Colégio Militar de Fortaleza |
Estar entre os 25 equipamentos da Capital que possuem processo de tombamento aberto não é por acaso. O Colégio Militar de Fortaleza é uma das instituições importantes na história da educação e da arquitetura da cidade. Inicialmente, o local funcionaria como Asilo de Mendicidade, abrigo para vítimas da seca. A partir de 1892, o prédio passou a sediar quatro estabelecimentos de ensino do Exército: Escola Militar do Ceará, Colégio Militar do Ceará, Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza e Colégio Militar de Fortaleza
Casa de Juvenal Galeno |
O pedido pelo tombamento da Casa de Juvenal Galeno partiu de Antônio Galeno, neto do poeta cearense. O processo foi aberto em julho de 2010. Segundo Antônio, o imóvel sendo um bem tombado e assim um patrimônio histórico e cultural os seus detalhes originais, história e memória estarão para sempre protegidos de destruições. “A Casa terá mais divulgação, mais atenção, assim como a cultura cearense”. Hoje, o local, que funciona há 93 anos, é considerado referência cultural no Estado, especialmente, com relação à literatura popular
Jéssica Petrucci
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste
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