A Literatura Cearense teve inicio com os “Oiteiros” que reuniam-se em torno do governador Manuel Inácio Sampaio, que era um apreciador das artes. Sendo o povo cearense extremamente criativo, nas artes, no artesanato, nas cantigas, nos folguedos, festas e literatura de cordel despertou, no governo a pretensão de formar uma agremiação literária no Ceará, no entanto, não conseguiu realizar seu desejo.
Anos depois, em 30 de Março de 1892 foi fundado por Antônio Sales, um jovem nascido em Parazinho, município de Paracuru, Ceará, a Padaria Espiritual, que foi a associação literária mais importante desse estado. Tinha como fim fornecer pão de espírito aos sócios em particular e ao povo em geral. A Padaria surgiu na Praça do Ferreira, nas mesas do café Java onde os “padeiros” como assim eram chamados, encontravam-se nas “fornadas” como eram denominadas as reuniões do grupo para leitura de trabalhos inéditos de autores da literatura brasileira e universal, tendo como objetivo promover a leitura e a escrita de maneira simples e prazerosa, diferente das outras agremiações existentes.
Os “padeiros” eram um grupo de intelectuais, formado por escritores, pintores, desenhistas e músicos que externavam através da arte suas ideias levando informação de forma criativa e descontraída ao povo cearense. Seus artigos expressavam seus pensamentos e objetivos. Toda sua produção era publicada no jornal “O PAO” que era impresso, ou melhor, “amassado” quinzenalmente com as produções dos “padeiros” com o propósito de produzir alimento para a alma, ou seja, o conhecimento literário.
Na mesma época que surgiu a Padaria Espiritual ainda duas outras importantes agremiações literárias iriam surgir, o Centro de Literatura e a Academia Cearense de Letras ambas no ano de 1894. A Academia Cearense de Letras é a mais antiga das Academias de Letras existentes no Brasil, fundada três anos antes da Academia Brasileira de Letras no Rio de janeiro
Irreverentes, irônicos e debochados os jovens, principalmente na primeira fase, composta por 20 sócios apreciavam festas e comemorações, mesmo assim, não desrespeitavam o estatuto da agremiação criado pelos membros. A primeira fase foi marcada por criticas e protestos, eles contestavam a indiferença na nossa literatura e os estrangeiros. O legado da primeira fase esta no humor crítico, como percebe-se no acontecimento relembrado por Antônio Sales, fundador do movimento: “certa vez, Lopes convidara os colegas para uma feijoada Mondubim. Os padeiros chegaram à estação de ferro de Fortaleza empunhando um gigantesco pão de três metros de comprimento, todos vestidos com ternos de flanela riscada, usando cartola e monóculo, ao som do violino de Carlos Vitor. Imagine-se o escândalo que causou na estação esse corteja, onde toda população veio para a rua ver-nos passar.
A segunda fase, composta apenas por 14 membros apresentava um caráter mais sério da agremiação, nesse período eles liam e publicavam suas próprias criações, como por exemplo, Oliveira Paiva iniciou a publicação de seu romance D. Guidinha do Poço nas páginas do jornal O Pão. No entanto, nem mesmo nesse período mais sério o humor não foi deixado de lado, embora com menor intensidade do que na primeira fase, mas eles mantiveram seu espírito irreverente exercendo assim, umas das funções do movimento que era provocar a sociedade burguesa da época com sua arte.
Todos os padeiros tinham um nome de guerra, pelo qual eram chamados no exercício de suas funções durante as “fornadas”, que eram reuniões divertidas, mas nem por isso deixavam de lado as coisas sérias, traçavam suas metas, como por exemplo, a criação de um Cancioneiro Cearense, tirado de nossa cultura popular. Infelizmente por problemas financeiros e dispersão dos seus fundadores, a Padaria durou apenas seis anos e meio. A última fornada aconteceu na casa de Rodolfo Teófilo, líder da segunda fase.
Vale ressaltar, que as atitudes irônicas, e irreverentes dos integrantes da Padaria justificava-se por seu objetivo que era criticar a sociedade cearense e sua forma de pensar e agir na época, valorizando a cultura européia, então através de sua arte eles manifestaram seu descontentamento e concomitantemente difundiram a produção cultural nacional como forma de valorizar o que é nosso. Assim sendo, percebe-se a importância do movimento para o desenvolvimento da cultura cearense, promovendo o gosto artístico e literário na sociedade. A Padaria Espiritual, também deve grande relevância na consolidação do Realismo no Ceará, foi também nesse período que desenvolveu-se o Simbolismo cearense.
Indubitavelmente, a “Padaria Espiritual” teve um significado extraordinário para a cultura cearense, conseguiu deixar suas marcas ao longo do tempo através de suas obras. Infelizmente, a geração mais jovem do nosso estado pouco conhece a história desse movimento tão significativo na valorização da arte no estado. Atualmente alguns membros são lembrados em nomes de ruas em Fortaleza, no entanto, muitos desconhecem o real motivo delas receberem esses nomes.
O estado precisa de novos movimentos que despertem o interesse do povo para o mundo da leitura e escrita, alimentando a alma de sua gente com informações como fez a “Padaria Espiritual”, porque um povo com conhecimento muda seu destino e constrói sua história, exercendo com mais dignidade sua cidadania.
Ivaneide Irineu dos Santos, de Itapipoca, Licenciatura Plena em Pedagogia, Licenciatura Específica em Português, Especialização em Metodologia do Ensino Fundamental e Médio.
Fonte: Jornal Correio da Semana
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