domingo, 8 de maio de 2011

Espetáculo discute vida e arte

Um grupo de 14 bailarinos de Tabuleiro do Norte viram a noite ensaiando para mostrar dança contemporânea

Tabuleiro do Norte. A expressão corporal tem dito mais da vida de certos jovens do que mesmo suas palavras. A Companhia de Dança Ciclos tem revelado o talento para a dança contemporânea neste Município e conquistado os palcos cearenses. Após recentes apresentações no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza, o grupo segue com espetáculo em turnê pelo Estado. Com toda dificuldade para custear a produção, jovens bailarinos fazem de cada apresentação a criativa busca para entender formas e conteúdos humanos por meio da arte.

Através da dança contemporânea, bailarinos discutem o estresse e a vida sob pressão da atualidade
FOTOS: DIVULGAÇÃO
"Nós somos mais conhecidos em Fortaleza do que na nossa própria cidade", afirma Duaram Gomes, para lamentar como "santo de casa não obra milagre". Obra, mas não tem o devido reconhecimento. Duaram é idealizador e diretor da Cia. de Dança Ciclos. O que eles fazem? Apresentam "dança contemporânea". E a "Ciclos" tem conquistado o reconhecimento no Ceará, e se alimenta da vontade (e "necessidade", diz Duaram) de expressar, pela arte, os anseios próprios e coletivos.

A dança não é apenas uma sequência de movimentos dentro dos limites do corpo humano, assim como a poesia não é simplesmente uma sequência de palavras repetidas. Tal como o olhar, ou o verso poético, o movimento corporal é mais do que aquilo que o cérebro manda fazer. Reflete pensamentos, ideias, vontades, torna-se mensagem. "Dança contemporânea" é uma expressão que identifica um estilo ou, mais apropriadamente, um novo conceito. Não só um sincronismo de movimentos pré-concebidos aliados a uma trilha sonora em que a harmonia se assimila à ideia de um bailarino ser o reflexo do outro: movimento igual. Na dança contemporânea o corpo estabelece uma dramaturgia própria. É um teatro em que a maior voz é a que sai do pensamento que se forma com carne, músculos e esqueleto.

A violência urbana, essa coisa desenfreada estampada nos jornais, na TV, que as pessoas olham indignadas, mas muitas vezes são capazes de negar a própria violência de que é vítima ou algoz; a competição de egos e depois de currículos para competir por uma vaga de trabalho; e a reflexão desiludida do homem que se pergunta "onde vamos parar se assim continuarmos" é retrato de "Sob Pressão", espetáculo da Cia. Ciclos, em cartaz desde o ano passado.

Através da dança contemporânea, bailarinos discutem o estresse e a vida sob pressão da atualidade
FOTO: DIVULGAÇÃO
Na Capital

O grupo se apresentou em abril deste ano no projeto Quinta com Dança, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza. Arrancou aplausos como o fez em duas edições da Bienal Internacional de Dança de Fortaleza (em 2003 e 2009, com o espetáculo Ciclos).

Para o coreógrafo Duaram Gomes é o reconhecimento do suor. Como só foto de jornal vem com legenda, quem aplaude até acredita que "é difícil fazer arte no Brasil". Mas no caso dos bailarinos e produtores da companhia de dança isso se traduz em uma série de desafios para existir: quando o dia termina é que eles começam. Depois do trabalho, ou da faculdade (ou dos dois), já perto de meia noite, eles se reúnem para ensaiar, e "varam" a madrugada. Enquanto uns praticam ensaio, outros cochilam. É um paradoxo que o espetáculo seja justamente "Sob Pressão".

A academia de ginástica de Duaram não dorme, e vira palco para os ensaios. Em Tabuleiro do Norte não existe auditório, muito menos teatro. O teatro mais próximo fica em Limoeiro do Norte. E o tabuleirense que quer ver os espetáculos da Companhia precisa assistir lá.

O grupo tem sete anos, e já desenvolveu quatro espetáculos, apresentados nos mais diferentes palcos: "Migrações" (em 2001), "Ciclos" (em 2002 e remontagem em 2005), Máscaras (2006) e "Sob Pressão", brevemente apresentada em 2009 na Bienal Internacional de Dança de Fortaleza e que desde 2010 é levada para os Municípios do Estado, como Limoeiro, Sobral, Nova Olinda, Juazeiro do Norte, Iço, Itapipoca e Fortaleza.

"Sob Pressão" tem duração de 45 minutos, e a proposta é que o espectador contemple a si ou ao próximo diante dos desafios cotidianos. A tensão dos dias é ali retratada.

São 10 bailarinos, entre homens e mulheres de 18 a 31 anos, coreografados por Duaram Gomes e com apoio de uma pequena equipe. "Juntando somos 14 pessoas, nessa atividade que te digo: não é fácil", resume Duaram.


DURAÇÃO

45
MINUTOS é o tempo total do espetáculo "Sob Pressão", que tem como proposta fazer com que o espectador contemple a si ou ao próximo diante dos desafios cotidianos


MAIS INFORMAÇÕES 

Cia. de Dança Ciclos
Município de Tabuleiro do Norte
Contato: Duaram Gomes
Telefone: (88) 3424.1453


INICIATIVA

Esforço e dedicação para ensaios
Sem condições de viverem da dança, bailarinos revezam o tempo entre os trabalhos formais e a arte

Tabuleiro do Norte. Os editais de incentivo à cultura fazem base de sustentação dos espetáculos da Companhia de Dança Ciclos. Todos os anos os bailarinos fazem projetos e se inscrevem nos editais. Dizem que estão com sorte, por nos últimos anos terem a garantia de algum apoio, seja para a produção ou circulação dos espetáculos. Os custos mais básicos eles resolvem com a venda de camisas ou na base do "sorteia-se entre amigos". De talento reconhecido em bienais internacionais de dança e nos principais círculos artísticos do Ceará, a maior pressão da companhia é insistir pela própria sobrevivência.

"Temos tido sorte de sermos contemplados", acredita Duaram Gomes, diretor e coreógrafo da companhia. Tiveram apoio financeiro por meio de editais no Programa BNB de Cultura, do Banco do Nordeste, e Edital de Incentivo às Artes (em 2003, 2009 e 2010), da Secretaria da Cultura do Estado. A participação em festivais e na Bienal Internacional de Dança de Fortaleza também garante a divulgação dos trabalhos.

Apoio

No caso do edital do Governo do Estado, o apoio é para a circulação do espetáculo "Sob Pressão". Assim, eles têm chegado aos palcos no Cariri e na Zona Norte. Mas o maior problema nesses sete anos de trabalhos da companhia de dança é mesmo o transporte. É nesse ponto que Duaram Gomes reclama a falta de apoio público: "somos a única companhia de dança da cidade, o grupo artístico que tem levado o nome da cidade para fora, mas infelizmente é muito difícil, quando não é com apoio de edital a gente vende camisas, faz rifas, sorteios, e assim vai levando. Já fomos selecionados para participar num festival e não fomos porque a dificuldade é grande de transporte", conta.

Os espetáculos são concebidos no espaço da academia de ginástica de Duaram, que é professor de Educação Física. "A gente sabe que cada um precisa trabalhar naquilo que sustenta. Umas meninas são professoras nas escolas públicas. Outros trabalham em comércio ou estudam fora, e mesmo assim vêm ensaiar de madrugada", conta o coreógrafo, envolvido com dança há cerca de 15 anos. Sua base de formação foi obtida com a coreógrafa Silvia Moura, Centro de Experimentações do Movimento (CEM), de Fortaleza. "Participei do grupo, e ela veio muitas vezes ao nosso Município repassar conhecimento para uma turma de interessados".

Os ensaios da Companhia Ciclos são abertos, e quem quiser assistir, ou mesmo participar de uma aula, é só manifestar a vontade para Duaram.

Melquíades Júnior
Colaborador

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