quinta-feira, 12 de maio de 2011

No tempo dos rabos de burro

Os conflitos de geração e de gênero vividos pela sociedade fortalezense nos anos 1950 pautam o livro que a historiadora Lídia Noêmia Santos lança, hoje, na Livraria Cultura


Você sabe onde anda sua filha? - com essa interrogativa, o jornal cearense Gazeta Mercantil titulava, em 1959, uma campanha em que publicava fotos de jovens namorando, na tentativa de alertar os pais para o comportamento "impróprio" da nova geração. A publicação soa absurda nos referenciais de hoje, mas retrata os conflitos de uma década de mudanças sociais e culturais em todo o mundo, e que se reflete na Capital cearense estampada nos jornais, com os feitos e desfeitos da juventude da época.

Essa Fortaleza dos anos 50 ambienta o livro "Brotinhos e seus problemas", que a historiadora Lídia Noêmia Santos lança, hoje, às 19 horas, na livraria Cultura. A obra toma por base as publicações da imprensa local para analisar os conflitos de gênero e de geração que envolviam a pequena burguesia fortalezense nos que são chamados de "anos dourados".

O livro identifica e analisa o perfil de dois modelos de juventude próprios da época: as "moças casadoiras" - solteiras, com idade entre 15 e 25 anos, com dotes e habilidades que lhe valiam boas chances de casar; e os "rabos de burro", termo cunhado para identificar a variação alencarina do que, no Sudeste, era a juventude transviada.

O livro é baseado na dissertação de mestrado da autora, com o texto devidamente adaptado para atingir também o público não acadêmico e está sendo publicado por meio de um edital da Secretaria da Cultura do Ceará. O trabalho foi contemplado, em 2010, pelo edital Prêmio Literário para Autores Cearenses.

No estudo, Lídia destaca as mudanças sofridas nos principais centros urbanos brasileiros nos anos 50, com uma imprensa bancada pelo capital financeiro e integrando grandes conglomerados que incluíam emissoras de rádio e televisão, e eram a grande porta de entrada da cultura estadunidense. O texto jornalístico perdia espaço para fotografias e manchetes chamativas, ganhando força também as publicações direcionadas para mulheres.

Tendências
A juventude pós-guerra mundial era o alvo de um novo projeto social e econômico capitaneado pelo exemplo norte-americano. Daí surgem tertúlias, matinês, os clubes (a exemplo, em Fortaleza, do Ideal e Náutico), as lojas e espaços de socialização com atividades específicas para os jovens. "Com isso, novos modelos de juventude aparecem", conta a autora.

O colunismo social vai lançar para o público todas essas novidades. "A partir do momento que existe um grupo de pessoas promovendo essas ações, modificando jeito de se vestir, namorar, se encontrar, dançando rock, o jornal cria interesse de divulgar isso, porque modifica o cotidiano da cidade" diz a pesquisadora, explicando o interesse da imprensa em publicar comportamentos que muitas vezes eram mal vistos pela sociedade.

O livro aponta ainda a eleição da cearense Emília Correia Lima no concurso Miss Brasil de 1955 como um marco para a cultura jornalística da cidade. A partir daí, o colunismo social, o noticiário, a publicidade, a maioria dos veículos de imprensa passaram a dar conta de assuntos ligados à beleza feminina.

"Não vejo, no entanto, que essa imprensa não tivesse preocupação com a autonomia feminina. Apesar de não contestar o casamento, eles buscavam mostrar como a mulher pode ser mais independente, por meio de artimanhas e truques de sedução com os quais poderiam impor suas vontades aos pais, ao marido. Existe um estímulo a autoconfiança", avalia a historiadora Lídia Noêmia.

Se de um lado ganha espaço a figura de mulher mais independente, do outro, grupos de jovens contestadores e rebeldes são motivos de muitas dores de cabeça. Enquanto os Estados Unidos intensificavam a Guerra Fria com os países do bloco da União Soviética - marcada por uma política imperialista que demarcava território pela influência cultural, criando Hollywood e disseminando ícones da juventude como Marilyn Monroe, Elvis Presley e o recém-nascido rock´n´roll - no Ceará, o "terrível" Ivan Paiva, o James Dean da Parangaba, que chocava a pequena burguesia moradora do jovem bairro da Aldeota com seus atos delituosos estampados no noticiário.

Juventude
Ivan, segundo Lídia, foi o líder mais conhecido dos grupos que à época eram taxados como transviados, andando em lambretas e exibindo um visual com topetes e bigodinhos que feriam os padrões estéticos vigentes. Eram os já citados Rabos de Burro. "Tudo indica que o termo foi uma adaptação do apelido de um dos líderes para viabilizar a publicação nos jornais", explica Lídia. Existiam vários grupos de transviados, com destaque para a Turma do Pinduca, uma das mais violentas da época.

A historiadora defende a existência de duas gerações de rabos de burros. A primeira, protagonizava brigas de rua, confusões em cabarés, roubavam carros para praticar pegas, chegando a casos extremos de violência contra as mulheres. "Eles seduziam ou raptavam para estuprar e fazer curra. Acontecia de um dos rapazes namorar uma moça, que, no encontro mais reservado, estuprava", conta.

A segunda geração, a qual pertencia o grupo de Ivan Paiva, chocava mais pela questão estética e comportamental. "Tinham influência dos norte-americanos, na imagem do James Dean, uso de topete, palavras em inglês", diz. Ivan costumava posar para as fotos em quase todas as suas prisões, incluindo no episódio em que foi punido pela Justiça com um corte de cabelo e teve o seu topete destruído pelo barbeiro.

Anos 50  
Brotinhos e seus problemas  
Lídia Noêmia
Expressão gráfica, 2011, 219 páginas, R$ 25


FÁBIO MARQUES
ESPECIAL PARA O CADERNO 3

MAIS INFORMAÇÕESLançamento do livro "Brotinhos e seus problemas", de Lídia Noêmia, hoje, 19h, na Livraria Cultura (Avenida Dom Luís, 1010, Aldeota)

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