Com 1 milhão e 100 mil livros vendidos com as obras "1808" e "1822", o jornalista e escritor Laurentino Gomes participa nesta segunda-feira à noite do projeto “Sempre um Papo” na Faculdade São Lucas. Apreciando desde a sexta-feira passada a cidade de Porto Velho, o autor de "1808" e "1822" retrata a fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil e o processo de independência brasileiro. Uma terceira obra, 1889, sobre o terceiro reinado fecha a triologia de sucesso, que elevou Laurentino Gomes a categoria de escritores mais lidos e prestigiados do Brasil. O lançamento deve acontecer em 2013. O escritor recebeu o Rondoniagora na manhã de hoje e falou sobre pontos curiosos sobre os dois livros.
Rondoniagora – Enquanto a maioria dos alunos aprende nas escolas que Dom Pedro se apresentou como herói, inclusive com indumentária apropriada, no momento do grito de independência, o senhor desnuda o mito, provando que na verdade, ele tava com dor de barriga e montado em uma égua, sem valor comercial, naquele ato tão solene.
Laurentino Gomes – A História é uma disciplina fascinante porque os acontecimentos e os personagens do passado são reais, não mudam mais. Mas a História continua a mudar o tempo todo da forma como nós olhamos esse passado. Existe uma manipulação do passado, construção e desconstrução que geralmente obedece a necessidade político-ideológica de cada momento que vem em seguida. Dom Pedro I é um caso típico de manipulação do passado. No final da Monarquia, era apresentado como herói épico, pai do D. Pedro II. Depois na época da República, começa o trabalho de desqualificação do personagem, um herói mulherengo e boêmio. Na História recente, o Dom Pedro aparece na pele de Tarcísio Meira (Independência ou Morte) como um herói marcial. Na redemocratização, de novo uma reconstrução do personagem com Marcos Pasquim (Quinto dos Infernos), um inconseqüente, boêmio, etc.. Para o jornalista, o desafio é tirar esse cipoal, as camadas geológicas que se sobrepõe ao personagem real. Observar que existe um mito, como e porque é um mito.
Rondoniagora – O senhor conta com riqueza de detalhes cada aspecto daqueles momentos de libertação do País.
Laurentino Gomes - Sou jornalista há mais de 30 anos de profissão. Tenho experiência em jornais e revistas. Claro que chegar a verdade absoluta dos fatos é complicado. É até uma questão filosófica. O que é a verdade, até Pôncio Pilatos perguntou a Cristo. A reportagem quando consulta vários nomes e documentos, usa o bom senso, o jornalista tem que ser sensato, para não embarcar em canoas furadas. Quanto mais pesquisa, mais perto da verdade você chega. Você precisa ser transparente com o leitor, internauta, revelar quais fontes e métodos da pesquisa. Já existe um estudo grande da academia e universidades sobre fontes. É preciso usar o bom senso e usar como baliza o conhecimento que a academia já produziu sobre o assunto.
Rondoniagora – A sua pesquisa foi tão minuciosa, talvez venha daí a explosão de vendas.
Laurentino Gomes – Verdade. O ‘1808’ vendeu 750 mil exemplares. E o ‘1822’ outros 350 mil.
Rondoniagora - Como chegou a essas fontes? E é possível observar uma diferença entre o primeiro e o segundo.
Laurentino Gomes - Esses detalhes apuramos em cartas e documentos originais da época, além de livros de História de outros escritores. Extraímos informações das cartas do arquivista Real (Luis Joaquim dos Santos Marrocos). Não misturo ficção com não-ficção. É um livro de História do Brasil pela perspectiva do Brasil, uma linguagem mais acessível, explico até números. Quando Joaquim (arquivista Real) fala que comprou um escravo por 98 mil réis, não posso deixar esse número para o leitor decifrar, faço uma comparação com a paridade da Libra Esterlina, que dá entre 10 a 12 mil reais. Em ‘1822’ quando falo da festa de casamento com Leopoldina, que custou 1 milhão de Florins, descobri que um par de sapatos em Viena custava 5 Florins. Com esse dinheiro daria para calçar toda população de 200 mil habitantes. Agora você tem razão. Tem diferença entre os dois livros. O primeiro é bem mais humorado, pitoresco, mais engraçado; o segundo é mais crítico até porque o Brasil ficou mais complexo, polêmico, poderia ter abolido a escravidão, mas não o fez. Dom Pedro tinha um discurso liberal, mas na prática era autoritário, fora os escândalos com a Marquesa de Santos.
Rondoniagora – Inclusive, o senhor faz uma crítica em relação ao analfabetismo que era imposto a grande parte da população.
Laurentino Gomes - São Paulo, por incrível que pareça, o número de pessoas alfabetizadas chegava a 2,5% dos homens adultos. Se extrapolar para população brasileira inteira, 99% do povo era analfabeto naquela época. Enquanto os Estados Unidos até os negros já sabiam ler porque eram obrigados a freqüentar a igreja protestante e ler a Bíblia.
Rondoniagora – E há uma diferença descomunal entre o processo de independência norte-americano e o brasileiro.
Laurentino Gomes – O processo de liberdade dos Estados Unidos é o inverso do nosso. O povo era alfabetizado por causa da Igreja Protestante, que obrigava as pessoas a lerem a Bíblia, inclusive os escravos. As 7 principais universidades já existiam. E tinha a herança anglo-saxônica, acostumada a enfrentar o rei. Foi uma sociedade organizada que rompeu com a metrópole e criou o estado debaixo pra cima. Enquanto no Brasil, 99% do povo é analfabeto, formada por escravos e negros completamente a margem de qualquer oportunidade num cenário de completa dominância do latifúndio com provinciais rivais entre si.
Rondoniagora – Some-se esse quadro nebuloso, a ânsia voraz por riqueza de Portugal.
Laurentino Gomes – Saiu um livro do jornalista mineiro Lucas Figueira, chamado Boa Ventura, a Correria do Ouro no Brasil, que o ouro e o diamante nos transformaria na época numa das nações mais ricas do mundo. Mais de 1mil toneladas de ouro foram levadas daqui. E o curioso é que não ficou em Portugal, comprou com esse ouro riqueza e luxo para uma Corte que queria se parecer com a Corte de Paris e Madri. Esse ouro passou por Portugal e foi para França e Holanda. A coroa Portuguesas, tentando mostrar prestígio, comprou mármore carrara e fez um dos maiores palácios do mundo, o Palácio de Mafre.
Rondoniagora – E o terceiro livro, do que se trata?
Laurentino Gomes - Estou agora pesquisando para lançar o livro ‘1889’ sobre o Segundo Reinando. Pretendo fechar uma triologia de datas para explicar a construção do estado brasileiro no século 19. A conseqüência é ‘1822’, é quase impossível entender a independência do Brasil sem estudar a corte no Rio de Janeiro. A partir daí começa a República. O encontro do discurso com a prática é de 26 anos para cá. É uma república muito jovem. Tenho 2 anos para pesquisar, devo lançar o livro em 2013.
Fonte: Rondoniagora
Um comentário:
Li os dois livros do Laurentino, infelizmente é a pura historia do Brasil usurpado por politicos populistas e aproveitadores. Mas vale a pena pela Leitura para se aprender a como não de roubar um Pais. Recomendo como leitura o livro de Jose Murilo de Carvalho "Dom Pedro"...Um resumo do que o pais se tornaria caso não tivesse havido o golpe inexcrupuloso. Parabéns Totó!
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