quinta-feira, 19 de maio de 2011

Costumes vintage

Jovens resolvem resgatar objetos antigos e reencontram a beleza de curtir certos hábitos de outros tempos. Câmeras analógicas, máquinas de escrever, vitrola, discos de vinil e videogames são alguns dos objetos que essa galera não abandona

É bem difícil se imaginar hoje sem as facilidades da tecnologia. Ainda que se tenha mais de vinte anos, parece impossível lembrar como era o mundo sem celular, sem mp3, com pouca acessibilidade à internet e, menos ainda, tirar fotos sem ver na mesma hora o resultado. Mais ainda, tirar fotos contando que vai poder, no máximo, usar 36 poses em um filme. Aliás, filme, revelar? O que era isso mesmo?

O fotógrafo e designer Filipe Acácio, 25 anos, lembra bem desse processo. Isso porque resolveu resgatar uma câmera analógica da família e voltar a usá-la. Apesar de formado como fotógrafo na era digital, Filipe reencontrou a beleza do analógico. "O mais legal dessa câmera é o tempo que ela te dá. O tempo de pensar na foto, de esperar a revelação, de refletir se vale a pena gastar uma pose com aquela foto...", reflete.

O FOTÓGRAFO Filipe Acácio encontrou uma antiga câmera da família e voltou a fotografar
FOTOS: GEORGIA SANTIAGO
Filipe diz que até os efeitos do tempo no equipamento dão beleza à foto. "A poeira, o mofo, isso gera um estética na imagem", comenta o designer que voltou a usar o analógico em 2008, após cerca de cinco anos sem nem encostar em um filme.

Para ele, essa experiência não é encarada com nostalgia, e sim mostra o que esses costumes trazem para os dias de hoje. "Me encanta essa pluralidade, a mistura de costumes antigos com a realidade de hoje. A gente vive em uma loucura de tempo tão grande que esses processos antigos nos trazem um descanso, uma pausa para respirar", reflete Filipe, que também gosta de roupas de brechó e decoração com cara de antiguinha, como o piso do estúdio em que trabalha.

Vitrolas e vinis
Outros que se encantam pela decoração antiga é o casal Lina Cavalcante, 29 anos, e Julio Temporal, 28. Os dois herdaram os móveis da família que, junto com a beleza, carregam várias histórias. "Eu olho para esses móveis e vem a lembrança da minha casa, de como e onde eles foram comprados", comenta a jornalista e estudante de psicologia.

JULIO TEMPORAL e Lina Cavalcante herdaram móveis antigos e costumam ouvir discos de vinil com os amigos
FOTO: JOSE LEOMAR
Além da decoração, o casal também é apaixonado por discos de vinil, ouvidos em sua vitrola portátil. Comprada em uma loja do centro de Fortaleza, a radiola hoje é a principal responsável por encontros de amigos da casa de Lina e Julio, além de momentos a dois escutando seus vinis favoritos. "Nossos amigos nos ligam para vir aqui só ouvir discos na vitrola. Por ela ser portátil, nós também a levamos para os encontros nas casas deles".

Os dois gostam tanto do som produzido pelo vinil, que se recusam a comprar os lançamentos e só compram discos antigos. "Os novos são caros e não têm o mesmo charme", define Lina. Para eles, além do som, o design das capas, as fotografias, e até os nomes escritos nos encartes fazem parte da graça do objeto. "É divertido observar, por exemplo, as modas da época que hoje voltaram", comenta Lina. "Essa preocupação com a arte do encarte já foi se perdendo um pouco com o CD, já era bem menor", acrescenta Julio.

Apesar de gostarem de "música de velho" (como já definiu a mãe de Lina), vinis e móveis antigos, o casal não sente que nasceu na época errada. "Gosto de não pertencer a nenhuma época, prefiro a liberdade de vivenciar de outras formas os outros tempos", reflete Lina.

De outros tempos
Mas não é bem assim que pensa a estudante Marina Araújo, de 20 anos. A escritora tem como objeto-xodó uma máquina de escrever de 1965, que permanece em pleno funcionamento. "Sinto que nasci na época errada. Eu seria uma maravilhosa jovem dos anos 70", comenta.

Marina Araújo já escreveu um livro de 100 páginas na máquina de escrever
Fã da escritora Clarice Lispector, Marina se inspira não só na literatura dela, mas nas fotos de Clarice sempre com sua máquina de escrever. O gosto pelas letras, herdado do avô, fazia com que Marina gastasse folhas e folhas de papel com seus textos escritos a mão. Com a atual máquina que "ganhou" do avô de uma amiga, Marina exercita o hábito de escrever.

"Escrevo contos e já escrevi um livro de 100 páginas nessa máquina. Mas hoje em dia uso menos pois a fita é difícil de encontrar", comenta a estudante, que hoje prefere usar a máquina para escrever cartas a amigos próximos e distantes, outro costume perdido após o e-mail e o SMS.

Se é inusitado imaginar uma jovem de 20 anos escrevendo em uma máquina de 1965, saiba que é possível você encontrá-la pelas praças da cidade buscando inspiração para seus contos enquanto digita na máquina. "Já andei de ônibus com ela debaixo do braço para ir escrever perto do mar. As pessoas mais velhas admiravam muito, enquanto alguns mais jovens tiravam foto", relembra.

Apesar de sentir que poderia ter nascido em outra década, Marina não consegue se imaginar sem a tecnologia. A diferença é que ela acredita que não é preciso excluir antigos objetos e costumes para substituir por outro. "Continuo gostando, por exemplo, de ler livros antigos. A minha relação com a máquina é a de pensar melhor no que vou escrever", reflete.

Colecionador
Pois se Filipe, Lina, Julio e Marina conservam apenas poucos objetos antigos como favoritos, o designer Daniel Gularte, 34 anos, tem uma coleção deles. Aficionado por jogos eletrônicos, Daniel mantêm cerca de 115 aparelhos de jogos eletrônicos (videogames, aparelhos portáteis e minigames), mais jogos, cartuchos, controles e outros acessórios que somam mais de 1000 itens. "É preciso um quarto inteiro para organizar a coleção, com prateleiras bem divididas, para manter a qualidade e durabilidade dos produtos".

DANIEL GULARTE foi além e hoje conserva mais de 1000 itens relacionados a jogos eletrônicos
FOTO: WALESKA SANTIAGO
Daniel ainda joga com todos os videogames, tanto como diversão, quanto para manter a durabilidade dos aparelhos. "A sensação é não somente de nostalgia, mas de experimentação, pois com estes objetos eletrônicos podemos estudar um pouco a usabilidade e o design", observa.

Como bom colecionador, o designer tem um pouco de, digamos, zelo por seus aparelhos. Por isso, mal deixa alguém encostar neles. "Eu não costumo abrir minha coleção para que as pessoas joguem. Afinal são itens valiosos e que precisam de resguardo. Eu possuo uma coleção alternativa, onde tenho uma Atari, um Nintendinho, um Mega Drive e um Super Nintendo onde faço raramente alguns encontros com amigos".

Pois, seja para reunir amigos, para guardar e contemplar ou para dividir como companheiro, os objetos e hábitos de nossos pais e avós guardam um charme que faz com que mereçam ser resgatados e mantidos ainda por um bom tempo.

Gabriela Dourado
Especial para o Zoeira

Fonte: Diário do Nordeste

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