A devoção em torno do “Padim” converteu Juazeiro num chão sagrado, de pedidos e graças alcançadas
Juazeiro do Norte. No ano do seu centenário, Juazeiro se consagra como o santuário do Nordeste, onde os devotos do Padre Cícero se ajoelham no chão sagrado em busca de Deus e encontram sentido e esperança para continuar vivendo. Para os romeiros, Juazeiro é a nova Canaã, a terra prometida por Deus e que, de acordo com a Bíblia, simboliza o lugar de conquistas espirituais.
Sob as bênçãos do “Padim”, milhares de romeiros seguem anualmente para Juazeiro do Norte na ânsia de alcançar graças ou agradecer preces atendidas. A cidade, de 240 mil habitantes, tornou-se o maior centro de romaria do Nordeste.
Calendário
Quatro vezes por ano, Juazeiro do Norte recebe um grande número de romeiros. Em fevereiro, é a festa de Nossa Senhora das Candeias. Em julho, o aniversário da morte do Padre Cícero. A festa da Padroeira, Nossa Senhora das Dores, ocorre em setembro. E em novembro, no Dia de Finados, a maior festa.
Nessas datas, a população se multiplica e a cidade se transforma. São eventos inesquecíveis e indescritíveis. Há um encontro de multidões, quando a miséria confraterniza com a esperança, revelando um profundo sentido de religiosidade. É hora de pedir ajuda. Ou de pagar promessas, honrando pedidos anteriores já atendidos. É a catarse coletiva que, segundo o filósofo grego Aristóteles, é a purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama.
No próximo dia 24, quando são comemorados os 162 anos de nascimento do Padre Cícero, os romeiros colocam, mais uma vez, o pé na estrada em busca de Juazeiro para reverenciar “o santo popular do Nordeste”. A Sala dos Milagres, junto ao Memorial do Padre Cícero, são a prova concreta de uma devoção que atravessa o tempo e as adversidades diárias.
Devoção e sacrifício
A Sala dos Milagres não é um cômodo qualquer. À primeira vista, parece um depósito de horrores: pernas, braços, cabeças de cera ou madeira, entre outras reproduções de partes do corpo, feitas com qualquer tipo de matéria-prima. Também há roupas usadas e milhares de fotos, desenhos e rabiscos. Na verdade, é um monumento à religiosidade daquela gente simples, à sua fé profunda e, sobretudo, à sua gratidão.
Mas há outras formas de pagar as promessas. Uma delas é o sacrifício físico. É comum ver filas de romeiros carregando pedras até o alto da Colina do Horto, onde fica a gigantesca estátua do Padre Cícero. Ou espremendo-se por fendas estreitas que o tempo rasgou em meio às pedras. Sem falar no sofrimento da própria viagem, nas dificuldades para arranjar comida e um cantinho para passar a noite, no calor intenso e na sujeira que fica pelas ruas.
A memória do Padre Cícero está em toda parte. Mas é mais forte quando se entra na capela de Nossa Senhora do Socorro, onde fica o túmulo do sacerdote, e que inclusive foi construída como resultado da promessa de uma devota.
A tradição popular se alia à modernidade no Memorial, inaugurado em 1988, uma obra-prima da arquitetura moderna, com auditório, salão de convenções, biblioteca e um museu com todo o acervo político, cultural e religioso da cidade.
Os romeiros desfilam pelos corredores, procurando espaço para demonstrar sua fé, ansiosos para tocar na imagem do patriarca do Nordeste. É hora de agradecer. E de pedir novos favores, pois a bondade do padroeiro é infinita.
CICLO DA DEVOÇÃO
Viagens para a “nova Canaã”
Juazeiro do Norte. O ritual da romaria começa nos locais onde residem os romeiros. Os fretadores de carro marcam o dia e a hora de partida da cidade. O foguetório anuncia o momento do embarque. No raio de uma légua, todos tomam conhecimento da movimentação.
É a festa santa da confraternização que reúne os amigos, os filhos da terra, para alimentar a fé que os liga à sua igreja e fortalecer as raízes que os vinculam ao seu torrão natal. No caminho para Juazeiro, num pau-de-arara ou dentro de um ônibus, se robustecem velhas amizades e se criam outras novas, todos identificados pelo mesmo sentimento: a fé no Padre Cícero.
Um farnel de comida, um chapéu de palha, dinheiro no bolso para trazer lembrança e muita fé no coração. Esta é a bagagem do romeiro. A demanda dos romeiros por objetos religiosos, fitinhas coloridas, estátuas de gesso, quadros, camisetas, além do tradicional artesanato, movimentam a economia local. Para o romeiro, Juazeiro é o empório do Nordeste, o grande shopping center, onde eles se abastecem de tudo, principalmente da fé.
Durante a viagem, eles cantam a música das romarias: “Oh! Que caminho tão longe, cheio de pedra e areia.
Valei-me meu Padim Ciço e a Mãe de Deus das Candeias”. O ritmo dolente da música ecoa nas estradas nordestinas. A alimentação é feita nas sombras das árvores na beira da estrada, ou nos pequenos restaurantes espalhados ao longo do caminho, geralmente com o nome do Padre Cícero. De repente, milhares de devotos chegam a Juazeiro que, para eles, é a cidade santa, a Canaã, a terra prometida.
Ali, eles se acomodam em ranchos: grandes casas coletivas, com muitos quartos. Algumas, com alpendre largo, coberto e com armadores para redes. A alimentação é feita no rancho em fogão a lenha e a carvão. Os ranchos mais novos têm banheiros e sanitários internos, piso de cerâmica, dormitórios com acomodação para seis, oito, dez pessoas, iluminação natural, ventiladores de teto, arejamento, higiene. A cidade abre as portas e o coração para receber os visitantes. Muitas casas são transformadas em pousadas.
Entre os locais mais visitados está a Colina do Horto, na parte mais alta da cidade. No topo foi erguida a estátua do Padre Cícero. Com 25 metros de altura, é a terceira maior estátua do mundo, erguida no local onde o pároco fazia seus retiros espirituais.
Aos pés da estátua muitos romeiros expressam a sua devoção. Uma delas são os nós na fitinha do Padre Cícero. Centenas de fitas são amarradas com vários nós num ponto estratégico da estátua. Os romeiros acreditam que, ao desatar uma fita, estarão sendo desatados também os nós da vida.
De volta a suas casas, nos longínquos rincões do sertão, ou na periferia sofrida das cidades, os romeiros sentem-se felizes, realizados, prontos para enfrentar a dura realidade.
Juazeiro do Norte. No ano do seu centenário, Juazeiro se consagra como o santuário do Nordeste, onde os devotos do Padre Cícero se ajoelham no chão sagrado em busca de Deus e encontram sentido e esperança para continuar vivendo. Para os romeiros, Juazeiro é a nova Canaã, a terra prometida por Deus e que, de acordo com a Bíblia, simboliza o lugar de conquistas espirituais.
FOTO: ELIZÂNGELA SANTOS |
A exemplo dos hebreus, que fugiram da seca e da guerra, o romeiro encontra em Juazeiro o espaço sagrado para suas convicções. Durante a romaria, a cidade se converte num centro de devoção com missas, bênçãos, procissões, novenas, peregrinações e visitas aos locais considerados sagrados para estes atuais peregrinos.
“Em Juazeiro, os romeiros buscam a sombra acolhedora da árvore da vida, representada nas paredes e teto de um santuário, casa de Maria e casa do povo que deseja a Salvação no Sagrado Coração de Jesus”, afirmou dom Fernando Panico, bispo da Diocese de Crato, em sua segunda Carta Pastoral, denominada “Romarias e Reconciliação”. A carta é aberta com uma citação do próprio Padre Cícero: “Juazeiro tem sido um refúgio dos náufragos da vida”.
Sob as bênçãos do “Padim”, milhares de romeiros seguem anualmente para Juazeiro do Norte na ânsia de alcançar graças ou agradecer preces atendidas. A cidade, de 240 mil habitantes, tornou-se o maior centro de romaria do Nordeste.
Calendário
Quatro vezes por ano, Juazeiro do Norte recebe um grande número de romeiros. Em fevereiro, é a festa de Nossa Senhora das Candeias. Em julho, o aniversário da morte do Padre Cícero. A festa da Padroeira, Nossa Senhora das Dores, ocorre em setembro. E em novembro, no Dia de Finados, a maior festa.
Nessas datas, a população se multiplica e a cidade se transforma. São eventos inesquecíveis e indescritíveis. Há um encontro de multidões, quando a miséria confraterniza com a esperança, revelando um profundo sentido de religiosidade. É hora de pedir ajuda. Ou de pagar promessas, honrando pedidos anteriores já atendidos. É a catarse coletiva que, segundo o filósofo grego Aristóteles, é a purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama.
No próximo dia 24, quando são comemorados os 162 anos de nascimento do Padre Cícero, os romeiros colocam, mais uma vez, o pé na estrada em busca de Juazeiro para reverenciar “o santo popular do Nordeste”. A Sala dos Milagres, junto ao Memorial do Padre Cícero, são a prova concreta de uma devoção que atravessa o tempo e as adversidades diárias.
Devoção e sacrifício
A Sala dos Milagres não é um cômodo qualquer. À primeira vista, parece um depósito de horrores: pernas, braços, cabeças de cera ou madeira, entre outras reproduções de partes do corpo, feitas com qualquer tipo de matéria-prima. Também há roupas usadas e milhares de fotos, desenhos e rabiscos. Na verdade, é um monumento à religiosidade daquela gente simples, à sua fé profunda e, sobretudo, à sua gratidão.
Mas há outras formas de pagar as promessas. Uma delas é o sacrifício físico. É comum ver filas de romeiros carregando pedras até o alto da Colina do Horto, onde fica a gigantesca estátua do Padre Cícero. Ou espremendo-se por fendas estreitas que o tempo rasgou em meio às pedras. Sem falar no sofrimento da própria viagem, nas dificuldades para arranjar comida e um cantinho para passar a noite, no calor intenso e na sujeira que fica pelas ruas.
A memória do Padre Cícero está em toda parte. Mas é mais forte quando se entra na capela de Nossa Senhora do Socorro, onde fica o túmulo do sacerdote, e que inclusive foi construída como resultado da promessa de uma devota.
A tradição popular se alia à modernidade no Memorial, inaugurado em 1988, uma obra-prima da arquitetura moderna, com auditório, salão de convenções, biblioteca e um museu com todo o acervo político, cultural e religioso da cidade.
Os romeiros desfilam pelos corredores, procurando espaço para demonstrar sua fé, ansiosos para tocar na imagem do patriarca do Nordeste. É hora de agradecer. E de pedir novos favores, pois a bondade do padroeiro é infinita.
CICLO DA DEVOÇÃO
Viagens para a “nova Canaã”
Juazeiro do Norte. O ritual da romaria começa nos locais onde residem os romeiros. Os fretadores de carro marcam o dia e a hora de partida da cidade. O foguetório anuncia o momento do embarque. No raio de uma légua, todos tomam conhecimento da movimentação.
É a festa santa da confraternização que reúne os amigos, os filhos da terra, para alimentar a fé que os liga à sua igreja e fortalecer as raízes que os vinculam ao seu torrão natal. No caminho para Juazeiro, num pau-de-arara ou dentro de um ônibus, se robustecem velhas amizades e se criam outras novas, todos identificados pelo mesmo sentimento: a fé no Padre Cícero.
FOTO: PATRÍCIA ARAÚJO |
Durante a viagem, eles cantam a música das romarias: “Oh! Que caminho tão longe, cheio de pedra e areia.
Valei-me meu Padim Ciço e a Mãe de Deus das Candeias”. O ritmo dolente da música ecoa nas estradas nordestinas. A alimentação é feita nas sombras das árvores na beira da estrada, ou nos pequenos restaurantes espalhados ao longo do caminho, geralmente com o nome do Padre Cícero. De repente, milhares de devotos chegam a Juazeiro que, para eles, é a cidade santa, a Canaã, a terra prometida.
Ali, eles se acomodam em ranchos: grandes casas coletivas, com muitos quartos. Algumas, com alpendre largo, coberto e com armadores para redes. A alimentação é feita no rancho em fogão a lenha e a carvão. Os ranchos mais novos têm banheiros e sanitários internos, piso de cerâmica, dormitórios com acomodação para seis, oito, dez pessoas, iluminação natural, ventiladores de teto, arejamento, higiene. A cidade abre as portas e o coração para receber os visitantes. Muitas casas são transformadas em pousadas.
Entre os locais mais visitados está a Colina do Horto, na parte mais alta da cidade. No topo foi erguida a estátua do Padre Cícero. Com 25 metros de altura, é a terceira maior estátua do mundo, erguida no local onde o pároco fazia seus retiros espirituais.
Aos pés da estátua muitos romeiros expressam a sua devoção. Uma delas são os nós na fitinha do Padre Cícero. Centenas de fitas são amarradas com vários nós num ponto estratégico da estátua. Os romeiros acreditam que, ao desatar uma fita, estarão sendo desatados também os nós da vida.
De volta a suas casas, nos longínquos rincões do sertão, ou na periferia sofrida das cidades, os romeiros sentem-se felizes, realizados, prontos para enfrentar a dura realidade.
Antonio Vicelmo
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste
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