quinta-feira, 24 de março de 2011

Nos mares do heroísmo

As metamorfoses do jangadeiro Chico da Matilde, o Dragão do Mar, analisadas em livro da historiadora Patrícia Xavier. Obra será lançada amanhã, no Museu do Ceará

Amanhã completam-se 127 anos da abolição das escravatura no Ceará, estado pioneiro nesta área. Assim, no final do século XIX, o dia 25 de março foi convertido em data cívica para os cearenses, como marco para lembrar e refletir sobre esse momento importante na luta pelos direitos dos negros no Estado e no País.

O árduo processo de abolição da escravidão no Brasil é tema de mesa-redonda no Museu do Ceará
FOTO: ITAÚ CULTURAL
Em comemoração, a Associação de Amigos do Museu do Ceará (Asmusce), por meio da instituição, realiza amanhã a mesa redonda "25 de março: memórias sobre a abolição do Ceará", e o lançamento do livro "Dragão do Mar: a construção do herói jangadeiro", da historiadora Patrícia Xavier.

A obra é fruto da dissertação de mestrado da autora pela PUC-SP. Nela, Xavier analisa a forma como o jangadeiro Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, é lembrado em circunstâncias específicas - sendo uma delas o dia 25 de março. "Foi uma pesquisa que imaginei para o mestrado ainda na graduação.

No início, não pensava em abordar o Dragão do Mar, e sim a identidade do jangadeiro no Ceará. Mas à medida que fazia minhas leituras, percebia que Francisco sempre aparecia, sempre era citado. Então decidi investigar a construção desse herói ao longo do tempo", explica Xavier.

Chico da Matilde, em escultura que o homenageia no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura: postura antiescravocrata do jangadeiro rendeu-lhe a imagem de herói da abolição
FOTO: VIVIANE PINHEIRO
Abolição
No debate de amanhã, a autora divide a mesa com o professor Hilário Ferreira (Faculdade Ateneu), que tem pesquisa sobre a escravidão no Ceará e sobre tráfico interprovincial de escravos. "A discussão vai girar em torno das memórias relacionadas à abolição no Ceará, às visões sobre o dia 25 de março", adianta Ferreira. Segundo o professor, a greve dos jangadeiros liderada por Dragão do Mar (também conhecido por Chico da Matilde), em 1881, foi acontecimento fundamental no processo que levou à libertação dos negros e mestiços cativos no Estado.

"A decisão de não transportar mais negros cativos foi extremamente importante, porque estancou o abastecimento de escravos no Rio de Janeiro. Como o sistema escravista dependia consideravelmente desse escoamento, trata-se de um movimento significativo na luta pela libertação dos escravos e pela abolição, três anos depois", esclarece Ferreira. "Não se pode pensar a abolição no Ceará sem esse momento, e sem a participação dos próprios negros, que deram uma grande contribuição".

Figura múltipla
Não por acaso o dia 25 de março permanece tão atrelado à figura do Dragão do Mar. "Na pesquisa, voltada ao período entre as décadas de 1930 e 1950, constatei que há realmente uma construção de sua imagem, e que ele é lembrado de diferentes maneiras. Por ocasião do cinquentenário da abolição no Ceará, por exemplo, em 1934, a classe trabalhadora lembrou-se dele como um trabalhador pobre que lutou pela libertação dos negros. Já a escola recordou-o como herói, no sentido de utilizar sua figura como exemplo para a juventude. Os jornais também exaltaram a ideia de herói", aponta Xavier. "O cinquentenário é momento no qual a memória do Dragão surge com mais força. Por isso o lançamento do livro em 25 de março".

Ainda segundo Xavier, essa noção muda, por exemplo, no livro "Dragão do Mar - o jangadeiro da abolição", do jornalista Edmar Morel, lançado em 1949. "Ele descreve Dragão do Mar como um herói esquecido, passa o livro inteiro dizendo que era um pobre analfabeto, constrói sua imagem como um trabalhador que foi esquecido. É uma visão diferente. É interessante porque Morel foi o único autor que publicou uma biografia do Dragão do Mar no mesmo período pesquisado por mim na dissertação", ressalta Xavier.

Paralelamente, Ferreira ressalta a também a importância da abolição da escravatura no Ceará para províncias vizinhas. "Em documentação que pesquisei no arquivo público do Estado, há um relatório do chefe de polícia enviado ao presidente da província do Ceará, relatando que os senhores andavam a reclamar sobre os negros não quererem mais trabalhar. Assim, no imaginário de muitos cativos nosso Estado virou a terra da liberdade. No Rio de Janeiro houve várias festas em comemoração à abolição aqui, porque significava que as famílias de muitos negros enviados para lá não poderiam mais ser escravizadas", complementa o pesquisador Hilário Ferreira.

MAIS INFORMAÇÕES
Mesa-redonda "25 de março: memórias sobre a abolição da escravatura no Ceará". Amanhã, às 17 horas, no Museu do Ceará (Rua São Paulo, 51, Centro). Seguida de lançamento do livro "Dragão do Mar: a construção do herói jangadeiro". Contato: (85) 3101.2610

ADRIANA MARTINS 
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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