domingo, 27 de fevereiro de 2011

Oitenta anos do Poeta Concreto Augusto de Campos

Augusto, Haroldo,Décio e Augusto(jovens), trabalhos de Campos.
Ninguém pode negar que o movimento da poesia concreta alterou profundamente o contexto da poesia brasileira. Pôs idéias e autores em circulação. Procedeu a revisões do nosso passado literário. Colocou problemas e propôs opções. Lembro-me da expressão joyceana verbivocovisual, uma espécie de síntese integrada das dimensões semântica, sonora e visual das palavras. E que permaneceu, ao longo desse tempo todo, no horizonte da produção desses poetas. Isso sem falar nos suportes e nos meios técnicos mais diversos que foram sendo utilizados: livro, revista,jornal, cartaz, objeto,LP, cd, videotexto, holografia, vídeo, internet.

Além disso, o grupo de poetas concretos – Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grunewald e Ronaldo Azeredo –empenhou boa parte de sua atividade teórica na constituição de um repertório de formas poéticas, por meio da revisão crítica de autores e da tradução de uma grande variedade de obras de outros idiomas para o português. Caso de Mallarmé, Ezra Pound, Cummings e James Joyce—principalmente.

62 anos só de poesia

Com 18 anos, Augusto publicou seus primeiros poemas.Foi na Revista Brasileira de Poesia, editada pelo Clube de Poesia, entidade ligada ao pessoal da Geração de 45. Dois anos depois surgiu seu primeiro livro: O Rei menos o Reino (1951),em edição do autor. No ano seguinte, junto com o irmão Haroldo e Décio Pignatari, participou da criação da revista Noigrandes, palavra misteriosa que aparece nos Cantos, de Ezra Pound, decifrada como 'antídoto ao tédio' e dá origem ao grupo que iniciou o movimento da Poesia Concreta no Brasil.

Datam dessa época, a aproximação com os artistas do grupo ruptura (principalmente Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Lothar Charroux e Luiz Sacilotto).No segundo número de Noigrandes(1955) publicou poetamenos, uma série de poemas coloridos e dispostos de maneira original na página, inspirados na música de vanguarda de Anton von Webern (1883-1945). Em 1956 e 1957 participou do lançamento oficial da Poesia Concreta na I Exposição Nacional de Arte Concreta (MAM/SP e saguão do MEC-rio). A realização desse evento conseguiu reunir pintores, escultores e poetas, todos unidos em torno de um princípio comum: a arte concreta. Em 1958 participou, com Haroldo e Décio, da redação do Plano-Piloto para Poesia Concreta. Entre outras coisas eles anunciavam o fim do verso como unidade rítmico –formal e propunham uma nova arte geral da palavra. Conforme eles mesmos disseram:”com o poema concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação: coincidência e simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, com a nota de que se trata de uma comunicação de formas, de uma estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de mensagens”.

Entre 1960 e 67, integrou a equipe de Invenção –que publicou uma página semanal no jornal Correio Paulistano e depois uma revista com o mesmo nome. Durante a década de 1970, Augusto de Campos, uniu-se ao artista plástico Julio Plaza,e lançou dois volumes de 'poemas-objeto', contendo textos tridimensionais, Poemobiles (1974) e Caixa Preta (1975). Dois livros apresentam o básico de sua obra: Viva Vaia – Poesia (1979) e Despoesia (1994). Tem publicado vários livros de ensaios críticos. Atuante crítico de música na década de 1960, foi um dos primeiros a reconhecer o talento poético de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em ensaios reunidos no livro No Balanço da Bossa (1968). Atualmente, dedica-se a investigar novos meios para a poesia, como a holografia e a computação gráfica.

Com vocês a palavra do poeta:



Ad Augustum per Angusta

Vou longe. Mar. Amar.

Sempre o mesmo calado.

Tal amor. Calabar.

Traidor e enforcado.



O sol é uma criança

De brilho, que não cresce.

A balança, a Balança:

Um sobe. O outro desce.



Ó remos, onde iremos?

Cortais pólo e equador

Com igual dor. Ó remos?

Oremus. Doloremus.



Ascendo, ascendo à ilha?

O sol, como brilha ante

O mar. Eu sigo adiante,

Pérolas na virilha.



Vou longe. E o Sol não.

Coração, “Sursum corda!”

Sol longe. E eu inclinado.

“Acorda, coração!”



(publicado originalmente em Forum, órgão oficial do C.A. 22 de Agosto)


Diálogo a Dois

“A Angústia, Augusto, esse leão de areia”

Décio Pignatari



A Angústia, Augusto, esse leão de areia
Que se abebera em tuas mãos de tuas mãos
E que desdenha a fronte que lhe ofertas
(Em tuas mãos de tuas mãos por tuas mãos)
E há de chegar paciente ao nervo dos teus olhos,
É o Morto que se fecha em tua pele?
O Expulso do teu corpo no teu corpo?
A Pedra que se rompe dos teus pulsos?
A Areia areia apenas mais o vento?

A Angústia, Pignatari, Oleiro de Ouro,
Esse leão de areia digo este leão
(Ah! O longo olhar sereno em que nos empenhamos,
Que é como se eu me estrangulasse com os olhos)
De sangue:
Eu mesmo, além do espelho.




O Vivo

Não queiras ser mais vivo do que és morto.
As sempre-vivas morrem diariamente
Pisadas por teus pés enquanto nasces.
Não queiras ser mais morto do que és vivo.
As mortas-vivas rompem as mortalhas
Miram-se umas nas outras e retornam
(Seus cabelos azuis, como arrastam o vento!)
Para amassar o pão da própria carne.
Ó vivo-morto que escarnecem as paredes,
Queres ouvir e falas.
Queres morrer e dormes.
Há muito que as espadas
Te atravessando lentamente lado a lado
Partiram tua voz. Sorris.
Queres morrer e morres.


A igreja nova

A antiga capela não bastava.
Mal sobranceava os colmos achatados.
Começou a erigir-se a igreja nova.
Delineara-a o próprio Conselheiro,
sem módulos, sem proporções, sem regras.
Frisos grosseiros e volutas impossíveis
cabriolando
num delírio de curvas incorretas.
Era sua obra-prima.
Ali passava os dias,
sobre os andaimes altos e bailéus bamboantes.
O povo enxameando embaixo
estremecia muita vez ao vê-lo
passar, lentamente,
sobre as tábuas flexuosas e oscilantes,
impassível,
sem um tremor no rosto bronzeado e rígido,
feito uma cariátide errante
sobre o edifício monstruoso.


Dodecassílabos

Estala na mudez universal das coisas
estrídulo tropel de cascos sobre pedras
e naquela assonância ilhada no silêncio
o cataclismo irrompe arrebatadamente.
O doer infernal das folhas urticantes
corta a região maninha das caatingas
fazendo vacilar a marcha dos exércitos
sob uma irradiação de golpes e de tiros.
Por fim tudo se esgota e a situação não muda,
lembrando um bracejar imenso, de tortura,
em longo apelo triste, que parece um choro.
Num prodigalizar inútil de bravura
desaparecem sob as formações calcáreas
as linhas essenciais do crime e da loucura.


Ferida


fer
ida
sem
ferida
tudo
começa
de novo
a cor
cora
a flor
o ir
vai
o rir
rói
o amor
mói
o céu
cai
a dor
dói

Fonte: Portal Literal

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