O romance Dona Guidinha do Poço de Manuel Oliveira Paiva, retrata uma história real ocorrida em Quixeramobim, no romance conhecida como Cajazeiras. É a saga de Maria Francisca de Paula Lessa, mulher rica da sociedade, que se apaixona pelo sobrinho do marido, e arquiteta a morte deste. Com a descoberta do assassinato do marido, Maria Francisca é condenada à prisão, onde passa muitos anos, e quando solta, já semi-enlouquecida perambula pela cidade, vindo a morrer como indigente.
Valendo-se de tal acontecimento, o escritor (re)conta a história da fazendeira, nomeando-a de Margarida Reginaldo de Oliveira, mulher dona de si, e de uma personalidade forte, encanta-se pelos dotes físicos e joviais de Secundido, sobrinho de seu marido Joaquim Damião – homem de temperamento manso, de forte ligação com a família. E com base nesses personagens e fatos, cria um verdadeiro retrato dos costumes, linguagem e ambiente do sertão cearense. A fidelidade que o autor manifesta ao descrever a paisagem, foi fruto de sua vinda para o referido lugar, (por motivos de doença) onde estudou e pesquisou a vida e os costumes dos sertanejos, e em todo o livro o autor demonstra uma verdadeira admiração pela dignidade e perserverança sertaneja.
Podemos perceber logo no ínicio a presteza que o sertanejo dedica ao seu próximo, seja este um retirante ou convidado: “ Dar hospedagem era um prazer para aquela gente no isolamento rural em que vivia, como ao fino cavaleiro a prática de uma fineza ou o regalo de um bom cavalo. Emprestavam até uma certa superioridade a quem vinha de fora, numa simpleza de costumes antiquíssimos” (PAIVA, 1993, p. 32). Desse modo, buscavam agradar como podiam, oferecendo o que tinham de melhor, demonstrando até uma certa humildade para com o próximo: “Faça o favor de não reparar se não lhe tratamos melhor. Aqui pelos matos não se encontram os recursos de lá” (PAIVA, 1993, p. 50).
Outra característica destacada do sertanejo que encontramos em toda a narrativa, refere-se a’ seu forte apego à religião, e sua crença em superstições, algumas conservadas até hoje : “Chuva com sol! O que é que quer dizer chuva com sol? Casamento da raposa com o rouxinol” (PAIVA, 1993, p.50). A devoção que o povo tinha por São José, que é tido como controlador das forças metereológicas, detendo o poder de trazer a chuva para aquele região castigada pela seca: “O calor subira despropositadamente. A roupa vinha da lavanderia grudada no sabão. A gente bebia água de todas as cores; era antes uma mistura de não sei quê. (…) Fizeram-se todos os remédios para chover. O vigário da freguesia, além das preces que a Santa Madre Igreja aconselha, consentiu que o povo em procissão mudasse a imagem de Santo Antônio da matriz para capela, que era o melhor jeito a dar para Deus Nosso Senhor ensopar a terra com água do céu. Entrou março, novenas de São José.” (PAIVA, 1993, p. 16).
Um dos contentamentos encontrados e que tornava o ambiente divertido, onde todos alegravam-se era com a cantoria de músicas. O prazer que o povo demonstrava diante de uma viola, revela que mesmo estes convivendo com a falta de água e um calor que deixava a “paisagem com um aspecto de pêlo de leão” (PAIVA, 1993, p. 16) o povo não estremecia, e ainda convida o leitor a conhecer os repentes que eram feitos de improviso, acompanhados sempre da viola, tratando de temas recorrentes aos acontecidos: “ Isto não é saborá/ É méu já purificado,/ Por Séa Guidinha mandado/ Mode os cantadô cantá./ Mode os cantadô cantá,/ Na minha terra isto é vinho,/ Banha nunca foi toicinho,/ Isto não é saborear.” (PAIVA, 1993, p. 78). Este trata-se de um agradecimento a Guidinha por ter fornecido o vinho para festa. A lealdade e a gratidão que dedicavam aos seus senhores eram publicamente versadas por seus vaqueiros cantadores.
Em algumas passagens do romance há uma oposição de tipos: de um lado temos os sertanejos, homens de moral e dignidade, incapazes desonrar o seu nome e do seu próximo, de outro Secundino, o moço da cidade, sem escrupúlos e ambicioso, que não hesita em trair os sentimentos e a honra de seu tio Joaquim Damião, a quem tanto lhe estimara, e que lhe oferecera sua casa. Essa oposição é vista através dos pensamentos de Secundino: “Certo não imaginava que o seu país possuísse daquela raça. Nunca vira reunidos assim tantos espécimens de gente vigorosa, mansa, com uas maneiras ao mesmo tempo broncas e delicadas, sem proferir uma expressão baixa, limpos da alma e do corpo” (PAIVA, 1993, p. 105). Comprovando assim que dentre os objetivos do autor, estava o de registrar e valorizar a cultura e o povo sertanejo.
Embora pouco conhecido e estudado, o romance de Oliveira Paiva constitui um marco na prosa regionalista. O romance regionalista, já tivera sido trabalhado por outros escritores, porém poucos são os que atribuiram aos interioranos a importância que Oliveira Paiva, que em sua obra constrói um verdadeiro retrato deste povo, que não raras vezes teve sua voz ocultada.
Fonte: Jornal Correio da Semana
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