No livro Poema e Letra-de-Música, o escritor cearense Pedro Lyra reforça as diferenças entre os gêneros literários e defende, nessa disputa, a superioridade da poesia
Chico Buarque é poeta ou letrista? Ou ele é um pouco dos dois? E Caetano Veloso? Sendo nomes reconhecidos pelo que é dito nas canções, podemos dizer que ambos são poetas, assim como Ferreira Gullar e o português Luís de Camões? Se aceitarmos que um letrista é também um poeta, a dúvida persiste e toma outra dimensão. Ou também os funkeiros e pagodeiros são poetas?
Para o cearense Pedro Lyra, a resposta para esta equação é simples: letra-de-música (assim mesmo com hífen para “indicar a inconveniência de se separarem esses dois termos”) não é poesia. Cercado por argumentos que envolvem desde a produção até o consumo, ele, que atualmente é professor de Poética da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (RJ) e autor de nove obras de poesia, aborda o tema no livro Poema e Letra-de-Música: Um confronto entre duas formas de exploração poética da palavra (Ed. CRV), lançado amanhã (7) no Ideal Clube.
A polêmica sobre letra e poesia começou para Pedro em 1995, quando ele lançava Sincretismo – A poesia da Geração-60. Na época, durante entrevista para o Jornal do Brasil, a jornalista Celina Côrtes perguntou por que ele não havia incluído letristas entre os 45 nomes da antologia. Como resposta, ele afirmou categoricamente que não os considera poetas. Cinco dias depois, Abel Silva, compositor de Asa Partida (com Fagner) e Jura secreta (com Sueli Costa), saiu em defesa da sua classe com um artigo publicado no mesmo jornal dizendo: “quase tropecei ao pensar que, pelos argumentos do professor (Pedro), Sarney é poeta, já o Aldyr Blanc (sic), o Ronaldo Bastos e o Fausto Nilo, por exemplo, não”.
“Chico Buarque e Caetano Veloso têm talento poético, mas nunca se assumiram como poetas. O Chico já foi romancista, dramaturgo, novelista, mas poeta, não”, argumenta Pedro Lyra. Para ele, tratar um letrista como poeta é uma forma de elevar o trabalho a um patamar superior, de maior importância. “O poema toca o intelecto, enquanto a música mexe com o corpo. O poeta não faz concessão para ser entendido, por que, se fizer, vai ser desvalorizado pela crítica”, defende acrescentando que a letra se limita ao rigor da melodia, enquanto a poesia é guiada apenas pelo ritmo do seu autor.
Haroldo Lyra, poeta e irmão de Pedro Lyra, concorda com a ideia e lamenta que sejam poucos os que fazem poesia atualmente. “Na letra de música, quando ela é bem feita, você vê uma história bem contada. Mas, não vê poesia ali. As pessoas se pretendem poetas, onde não há poesia”. Ele, que na mesma ocasião lança Doestos – Uma intriga viçosa (Premius), coletânea de odes, trovas e sonetos escritos em épocas variadas, acredita que a discussão está longe de se encerrar, uma vez que sempre aparece alguém para reacende-la, principalmente os novos poetas. “Agora, se buscar consenso entre os mais antigos, aí você encontra”. Para Haroldo, mesmo na obra Vinicius de Moraes, que foi poeta antes de letrista, é possível diferenciar estes dois lados.
Pedro Lyra ainda acrescenta que Dorival Caymmi quem teria explicado ao Poetinha que “letra tem que ser mais simples (que poesia)”. “Quando se põe música no poema, ele se desliteraliza. Perde o que tinha de radicalmente poético, mas ganha em comunicabilidade”, explica alertando que isso não necessariamente diminui o valor uma letra-de-música. A propósito, ele aponta Chico Buarque como o melhor letrista do século XX e confessa que ficou satisfeito quando a cantora e compositora carioca Denise Emmer pediu o seu Soneto do amor nascendo para transformar em música. “O letrista que publica um livro de letras está querendo algo mais elevado. Já um poeta que procura um compositor, quer popularidade”, diz ele sem se excluir desta regra e já adiantando que outros três poemas de sua autoria – A uma ninfa, Mais real e Soneto da fêmea – foram vertidos para música. Um deles, inclusive, a pedido do próprio autor. “Estou sonhando com alguém que faça mais umas seis músicas que é pra eu fechar um disco até o fim do ano”. Alguém se habilita?
SERVIÇO
LANÇAMENTO DOs LIVROS POEMA E LETRA DE-MÚSICA E DOESTOS
Quando: amanhã (7), às 19 horas
Onde: Ideal Clube (Rua Monsenhor Tabosa, 1381 – Meireles)
Quanto: entrada gratuita. Livros vendidos a R$ 20 (Doestos) e R$30 (Poema e Letra-de-música)
Outras info.: 3248 5688
Marcos Sampaio
marcossamapaio@opovo.com.br
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Fonte: O Povo
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