sexta-feira, 8 de abril de 2011

A poeira do Beco

Histórias e memórias do Beco da Poeira são reconstituídas em texto e imagem, no livro lançado, hoje, pela repórter do Diário do Nordeste, Mayara de Araújo

Histórias de vida: em livro de estreia, jornalista Mayara de Araújo reconstitui a acidentada trajetória do famoso Beco da Poeira, enquanto registra vivências e conflitos de seus personagens
É comum ouvir críticas ao Centro de Fortaleza e raríssimo encontrar quem não torça o nariz diante da iminente possibilidade de adentrar aquelas cento e poucas ruas estreitas, lotadas, desniveladas, quentes, sem falar no trânsito caótico, claro. Mas, esse cenário tão facilmente pintado com as cores do susto, faz lembrar o dizer dos antigos, que afirmavam: "Quer conhecer o mundo? Conheça o Centro da cidade onde você mora". Pode até ser que haja certo exagero na "tese", mas que no Centro de Fortaleza tem de um tudo, ah, isso tem.

Tem tanto, que a jornalista Mayara de Araújo, que lança hoje o livro "Histórias de Beco - Quando a poeira assenta, entrevemos rostos, punhos e corações", chega para colaborar, através da pesquisa acadêmica, com mais um capítulo emblemático da novela que vem se desenrolando, há pelo menos 20 anos, no Centro Comercial de Vendas Ambulantes: o popular, famoso e controvertido Beco da Poeira.

Reconstituição
A publicação, que será mostrada ao público logo mais às 19h, no Museu de Artes da Universidade Federal do Ceará (Mauc - UFC), vem em formato de livro-reportagem. O trabalho foi o vencedor do Prêmio Expocom Regional e Nacional da Intercom de 2010, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. O "Histórias de Beco" também foi contemplado com o Edital Prêmio Literário de Autores Cearenses, da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. Além de trazer registrado o que deveria ter sido o derradeiro instante de uma das maiores feiras informais de Fortaleza, situada ali, entre a Praça José de Alencar e Praça da Lagoinha, utilizando linguagens da crônica, conto, jornalismo, fotografia e ilustração, o livro traz, ainda, esclarecedoras entrevistas, com dois dos principais atores envolvidos nessa trama: Michael Mesquita, Secretário Executivo da Associação Profissional do Comércio de Vendedores Ambulantes [Trabalhadores Autônomos] do Estado do Ceará (Aprovace), e Luiza Perdigão, Secretária Executiva da Regional do Centro de Fortaleza (Sercefor).

"Durante quatro meses, percorri os 22 corredores do Beco, com a finalidade de reportar estrutura, rotina, lembranças e a negociação em torno da transferência dos permissionários para outra sede. O período histórico do livro vai de 1984 a 1991, ano em que o então prefeito Juraci Magalhães funda oficialmente o Beco da Poeira. Há 20 anos, eles já sabiam que o lugar, no futuro, receberia a Estação Lagoinha do Metrofor, o projeto do metrô de Fortaleza", diz a autora.

Tendo que concluir o livro, e com a mudança do Beco da Poeira para antiga tecelagem Thomaz Pompeu, na avenida Imperador, e/ou para o esqueleto da Tristão Gonçalves, em pleno andamento, a jornalista buscou compor a pesquisa indo a favor do tempo.

"Depois de 1991, a história do livro dá um salto para 2009, período em que foram feitas as crônicas. Juntamente com o professor Agostinho Gósson (do curso doe Jornalismo da UFC), orientador no projeto de conclusão de curso, criamos um personagem fictício, que é chamado na história de ´Camelô´. Ele passa por situações que estão registradas nos jornais, por exemplo, tem um dia que ele vai fazer o cadastramento, isso lá em 1987, para conseguir uma vaga no verão, e passa horas na fila, adoece. E os jornais na época registraram: ´O José de Alencar e adjacências estavam tomados por um odor bolorento e putrefato´. Dizem que o serviço de cadastramento estava lento, que eram mais de 500 pessoas esperando. O personagem Camelô está inserido nesse espaço", explica a jornalista.

Ilustrações
Quem for ao Museu de Artes da UFC logo mais à noite, além de participar do coquetel de lançamento, terá oportunidade de conhecer as 30 ilustrações publicadas no livro. As imagens foram feitas pela própria jornalista, em preto e branco, papel couchê, no tamanho A3 e trabalhadas em nanquim aguado, inspiradas na obra do artista cearense Descartes Gadelha.

"A intenção era experimentar diversos formatos, diversas linguagens. O lugar pedia tudo e foi importante vislumbrar aquele espaço com todas as minhas habilidades. Às vezes, a ilustração falou melhor que o texto. Há, também, as citações, falas de pessoas que estiveram no Beco da Poeira desde o começo. Uni as matérias de jornais, com a vida dessas pessoas. Essa semana fui ao Beco e procurei algumas que estão no livro, como dona Paulinha, dona Sula, dona Conceição, dona Gorete. As duas primeiras não estão mais lá, dona Conceição, já com 93 anos, faleceu, e a última, foi para o esqueleto da Tristão Gonçalves", conta.

Ainda sem soluções definitivas, Mayara de Araújo garante que foi uma experiência ímpar contribuir com o registro de um período da história do Centro da cidade de Fortaleza. História que, pelo andar da carruagem, ainda pode render muitas publicações.

"Hoje, a maioria das pessoas que foi para o novo Beco, diz que a estrutura é melhor, mas lamenta que as vendas pioraram. Tanto porque fecham mais cedo, ou dizem que os clientes não vão até lá, ou porque, agora, concorrem com o pessoal que ficou no Beco, que continua vendendo baratinho. Muita gente saiu, mas a Praça José de Alencar continua lotada. Aliás, também está lotado o esqueleto da Tristão Gonçalves, sem falar no entorno da Catedral, onde temos o ´Buraco da Gia´ e a rua José Avelino. Continua tudo como antes. Agora é esperar para ver quando, de fato, chegar o Metrofor", diz.

REPORTAGEM 
Histórias de Beco Mayara de AraújoEXPRESSÃO GRÁFICA, 2011, 184 PÁGINAS ,R$ 20Lançamento às 19h, no Museu de Artes da UFC (, Av. da Universidade, 2854).
Contato: (85) 8738.8656

NATERCIA ROCHA
 REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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