terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sobral à francesa

Em livro lançado hoje, na Biblioteca Municipal de Sobral, a pesquisadora Elza Marinho Lustosa da Costa analisa reflexos da Bella Époque no cotidiano das famílias sobralenses

O Teatro São João, erguido há 130 anos, é um dos signos da época de prosperidade econômica de Sobral
FOTO: SECRETARIA DA CULTURA E TURISMO DE SOBRAL
Ir ao teatro, frequentar gabinetes literários, corridas de cavalos, tocar piano e se portar como um verdadeiro "gentleman", enquanto acompanha sua encantadora esposa à missa dominical. Essas praticas sociais, que até hoje permeiam o imaginário global como referências de refinamento, da elevada cultura do século XIX, são objetos do estudo da pesquisadora Elza Marinho Lustosa da Costa. Com um detalhe no recorte: o município de Sobral.

De família tradicional da Cidade, ela se desgarra do sentimento elitista que até hoje ratifica essas práticas como mostras de grande civilidade. A historiadora traça uma análise do período em que tais referências culturais viveram seu apogeu.

Em "Sociabilidade e Cultura das Elites Sobralenses", Elza reconstitui os esforços e os conflitos da elite sobralense da época em afirmar a proeminência cultural da Cidade aos moldes franceses, em histórias que relembram tempos áureos, de quando Sobral despontava como principal economia do Estado, a despeito da capital, Fortaleza. O livro será lançado hoje, às 19h30, na Biblioteca Municipal de Sobral.

A obra é uma adaptação de sua tese de doutorado em História Social, defendida em 2002, junto ao Instituto de Filosofia e Ciência Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A obra integra a série Panorama Nacional, da coleção Nossa Cultura, projeto da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult).

Belle Époque
O estudo concentra-se no período de 1880 a 1930, quando a França ainda exercia grande influência econômica e cultural no mundo, exportando seu modelo de "civilização" para diversos países (Brasil incluso). Um dos objetivos da autora é desmistificar a ideia defendida por muitos sobralenses "fervorosos", entre eles historiadores locais, que destacam essas práticas como um diferencial da Cidade e símbolo de sua vocação cultural.

Símbolos dessa Sobral afrancesada não faltam. Como o belo Teatro São João, primeiro grande teatro do Estado, erguido há 130 anos; o Derby Club Sobralense (fundado em 1893), onde se costumava assistir às corridas de cavalo, e até uma réplica do Arco do Triunfo, construída na principal avenida da Cidade.

"(Quando jovem) eu achava que Sobral era um caso à parte. Era isso que a historiografia local dizia", lembra Elza. Para fugir de textos que reproduziam esse pensamento, ela se debruçou sobre coleções de jornais da época (do acervo da Universidade do Vale do Acaraú). "Busquei estudar as práticas de lazer, de consumo, analisando propagandas da época, os trajes, a política, as brigas entre famílias, as práticas religiosas", explica.

O período estudado é limitado por dois fatos importantes na história do município: a inauguração da estrada de ferro ligando Sobral a Camocim, em 1881, funcionando como escoamento de produtos para o atlântico, em uma demonstração do prestígio das classes dominantes locais; e a construção da rodovia Sobral-Fortaleza (1932), época em que a cidade entra em declínio econômico, quando perde seu status de principal entreposto comercial do Estado. Para ambientar o estudo, autora analisa as condições em que se formaram as famílias que compõem as elites sobralenses.

Sofisticação
Ocupada durante a colonização, a região seguia os moldes que favoreciam, por exemplo, a prática do coronelismo, como a doação de sesmarias. O clima e a economia local também contribuíam para moldar as práticas sociais, culturais, de alimentares, como a carne seca, a quase ausência de legumes.

"Foi imposta uma sofisticação, quando eles já tinham hábitos mais ´grosseiros´. Não era em cima de uma folha em branco. Já tinha uma cultura engendrada", argumenta Elza. Movidas pelo prestígio mundial do modelo francês de "civilização", essas elites passam a agregar elementos que as aproximassem da realidade europeia.

"As elites tinham o domínio econômico. Mas tinha que ter uma sofisticação que as afirmasse como essa elite econômica e social. Como quando um jogador tem sucesso no futebol, a primeira coisa que faz é aprender a jogar golfe, que é algo identificado como prática de elite", ilustra a autora.

O livro é dividido em cinco capítulos, abordando desde o povoamento da região e o nascimento de Sobral, passando pela imprensa local, as práticas de lazer, de consumo, de etiqueta, até os conflitos políticos e a influência da igreja Católica e das irmandades religiosas.

"Quando eu era criança, diziam: ´Ah, Sobral tinha um gabinete literário já naquela época´. Pesquisei e vi que a maioria das leituras eram de revistas. Não encontrei nenhum título clássico da época. Era muito frequentado por mulheres, na época de férias, e existiu por pouco tempo. É a coisa da memória coletiva", diz Elza que, ademais às contribuições no plano sociológico do estudo, espera desmistificar a forma como o sobralense até hoje vê a cidade.

Cultura Sociabilidade e Cultura das Elites Sobralenses - 1880 - 1930  
Elza Marinho Lustosa da Costa
SECULT
2011
256 PÁGINAS

Lançamento às 19h30, na Biblioteca Municipal de Sobral (Travessa Adriano Dias, 140 - Centro). Contato: (88) 3611.8007

FÁBIO MARQUES
REPÓRTER

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