Nos anos 30, o principal estabelecimento de ensino do Estado era o Liceu do Ceará. Fundado pelo senador Pompeu (padre-doutor Thomaz Pompeu de Sousa Brasil), em 1845, o Liceu era equiparado ao Colégio Pedro II do Rio de Janeiro e, em suas cátedras, figuravam as maiores inteligências do magistério cearense. A cadeira de Português, por exemplo, era exercida pelos professores Otávio Terceiro de Farias e Martinz de Aguiar, membros da Academia Cearense de Letras. A de Latim, pelo famoso Monsenhor José Quinderé, além de outros lentes de reconhecida envergadura e indiscutível nomeada, como Hermenegildo Firmeza, de História; Domingos Braga Barroso, de Geografia; César Campelo, de Matemática; e Aderbal de Paula Sales, de Ciências Físicas e Naturais.
Era o tempo dos manuais de Felisberto de Carvalho e da velha “Crestomatia”, seleta de textos em prosa e verso dos maiores escritores brasileiros e portugueses, organizada por um mestre gaúcho, o professor Radagásio Taborda.
Não era fácil entrar no Liceu. O candidato era submetido a rigorosa seleção, um exame oral e escrito que derrubava a maioria dos pretendentes. E não era sem razão: a história do Ceará tem mostrado que dos bancos daquela velha escola vieram magistrados, deputados, escritores, ministros de Estado, senadores e governadores, nomes que engrandecem e orgulham a nossa terra.
Em 1936, segundo os arquivos consultados, matricularam-se 749 alunos, oriundos da capital e de quase todas as regiões do Ceará. Da turma de novatos, havia um sujeito dos Inhamuns, que desde o primeiro dia ficou conhecido em todo o colégio. Caladão, macambúzio, não procurava se entrosar nas rodas, nos convescotes do recreio, preferindo ficar pelos cantos a ler uns romances de Camilo Castelo Branco.
A razão do destaque do rapaz dos Inhamuns não era propriamente o seu jeito ensimesmado, mas o nome que portava. Filho de primos, tinha apenas dois nomes: Sofrêncio Bosta.
Quando aconteceu a chamada, na primeira aula, foi um escândalo. Ninguém queria acreditar que alguém pudesse ter um nome daquele. Que pai desnaturado pusera no mundo um filho para carregar pelo resto da vida o nome de Sofrêncio Bosta? Era um absurdo.
Absurdos devem ser corrigidos. Por isso, passado aquele primeiro momento de gozação e achincalhamento que, ao que consta, nem de leve abalou a tranquilidade do leitor de “Amor de Perdição”, começou um movimento para mudar seu nome. Ele não queria. Dizia que estava tudo bem, que nada o estava incomodando, que tanto fazia ter este nome ou aquele.
Entretanto, alunos e professores levaram o assunto a sério e, mesmo à revelia do titular, resolveram que o nome do Sofrêncio Bosta seria, sim, alterado. Ah, nunca se poderia admitir que um colégio da categoria do Liceu do Ceará pudesse ter um aluno com nome tão esdrúxulo e escatológico. Não pegava bem.
Como o Liceu era um reduto de celebridades, tendo entre os professores um tabelião e dois juízes de direito, o processo de alteração onomástica tramitou sem maiores atropelos.
E eis que chega o dia auspicioso da mudança de nome do rapaz dos Inhamuns. Todos se dirigiram ao cartório em grande caravana ficando as salas do Liceu praticamente vazias. A aglomeração na rua Major Facundo diante do Cartório Pergentino Maia chamava a atenção das pessoas da rua que, curiosas, se incorporavam à ansiedade geral. No entanto, para admiração de todos, o personagem principal daquele fuzuê não compareceu. Sim, senhor, a pessoa que se supunha ser a maior interessada, a portadora da extravagância nominal, simplesmente não estava ali.
Uma comissão de alto nível foi destacada para encontrar o indigitado e trazê-lo de qualquer modo para o ato de substituição de nome.
O adolescente foi encontrado em sua casa, imaginem, lendo placidamente outro romance de Camilo. Trazido pelos colegas, mostrou absoluta indiferença àquela multidão e, quando o escrivão perguntou solenemente que novo nome escolhera o senhor Sofrêncio Bosta para, a partir daquela hora, passar a figurar em todos os seus documentos, o infeliz disse que não havia pensado em nenhum.
– O quê?– exclamaram todos surpresos e em coro alto – todo este processo, todo este movimento, todo o nosso esforço e você não escolheu um nome para substituir sua horrorosa designação civil? Meu Deus, quanta irresponsabilidade!!!!
Instado a indicar um nome, qualquer um, porque aquela situação já estava passando dos limites, Sofrêncio Bosta, na maior serenidade deste mundo, resolveu:
– Pois bem, eu vou dizer meu novo nome, já que vocês insistem: Ponha aí... PEDRO BOSTA!
Era o tempo dos manuais de Felisberto de Carvalho e da velha “Crestomatia”, seleta de textos em prosa e verso dos maiores escritores brasileiros e portugueses, organizada por um mestre gaúcho, o professor Radagásio Taborda.
Não era fácil entrar no Liceu. O candidato era submetido a rigorosa seleção, um exame oral e escrito que derrubava a maioria dos pretendentes. E não era sem razão: a história do Ceará tem mostrado que dos bancos daquela velha escola vieram magistrados, deputados, escritores, ministros de Estado, senadores e governadores, nomes que engrandecem e orgulham a nossa terra.
Em 1936, segundo os arquivos consultados, matricularam-se 749 alunos, oriundos da capital e de quase todas as regiões do Ceará. Da turma de novatos, havia um sujeito dos Inhamuns, que desde o primeiro dia ficou conhecido em todo o colégio. Caladão, macambúzio, não procurava se entrosar nas rodas, nos convescotes do recreio, preferindo ficar pelos cantos a ler uns romances de Camilo Castelo Branco.
A razão do destaque do rapaz dos Inhamuns não era propriamente o seu jeito ensimesmado, mas o nome que portava. Filho de primos, tinha apenas dois nomes: Sofrêncio Bosta.
Quando aconteceu a chamada, na primeira aula, foi um escândalo. Ninguém queria acreditar que alguém pudesse ter um nome daquele. Que pai desnaturado pusera no mundo um filho para carregar pelo resto da vida o nome de Sofrêncio Bosta? Era um absurdo.
Absurdos devem ser corrigidos. Por isso, passado aquele primeiro momento de gozação e achincalhamento que, ao que consta, nem de leve abalou a tranquilidade do leitor de “Amor de Perdição”, começou um movimento para mudar seu nome. Ele não queria. Dizia que estava tudo bem, que nada o estava incomodando, que tanto fazia ter este nome ou aquele.
Entretanto, alunos e professores levaram o assunto a sério e, mesmo à revelia do titular, resolveram que o nome do Sofrêncio Bosta seria, sim, alterado. Ah, nunca se poderia admitir que um colégio da categoria do Liceu do Ceará pudesse ter um aluno com nome tão esdrúxulo e escatológico. Não pegava bem.
Como o Liceu era um reduto de celebridades, tendo entre os professores um tabelião e dois juízes de direito, o processo de alteração onomástica tramitou sem maiores atropelos.
E eis que chega o dia auspicioso da mudança de nome do rapaz dos Inhamuns. Todos se dirigiram ao cartório em grande caravana ficando as salas do Liceu praticamente vazias. A aglomeração na rua Major Facundo diante do Cartório Pergentino Maia chamava a atenção das pessoas da rua que, curiosas, se incorporavam à ansiedade geral. No entanto, para admiração de todos, o personagem principal daquele fuzuê não compareceu. Sim, senhor, a pessoa que se supunha ser a maior interessada, a portadora da extravagância nominal, simplesmente não estava ali.
Uma comissão de alto nível foi destacada para encontrar o indigitado e trazê-lo de qualquer modo para o ato de substituição de nome.
O adolescente foi encontrado em sua casa, imaginem, lendo placidamente outro romance de Camilo. Trazido pelos colegas, mostrou absoluta indiferença àquela multidão e, quando o escrivão perguntou solenemente que novo nome escolhera o senhor Sofrêncio Bosta para, a partir daquela hora, passar a figurar em todos os seus documentos, o infeliz disse que não havia pensado em nenhum.
– O quê?– exclamaram todos surpresos e em coro alto – todo este processo, todo este movimento, todo o nosso esforço e você não escolheu um nome para substituir sua horrorosa designação civil? Meu Deus, quanta irresponsabilidade!!!!
Instado a indicar um nome, qualquer um, porque aquela situação já estava passando dos limites, Sofrêncio Bosta, na maior serenidade deste mundo, resolveu:
– Pois bem, eu vou dizer meu novo nome, já que vocês insistem: Ponha aí... PEDRO BOSTA!
Escrito por Administrator
Fonte: Revista Nordeste VinteUm
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