terça-feira, 12 de abril de 2011

Um recomeço para Chico

No dia em que comemora 80 anos, o Caderno 3 traz uma reportagem exclusiva com o mestre do humor cearense. Recuperando-se dos problemas de saúde que o prenderam por quatro meses em um hospital, Chico Anysio recebeu o Diário do Nordeste em sua casa para uma conversa franca sobre os momentos difíceis da doença e o sofrimento pelos rumos do time do coração, o Ferrim

Chico Anysio: "Estou bem, fazendo fisioterapia para o músculo me segurar, comendo tudo, só me falta andar, porque as pernas ainda estão fracas. Quatro meses de cama é uma lenha!"
FOTOS: FOLHA PRESS
Chico Anysio encheu os olhos d´água quando viu a baciada de cajá umbu e pitomba que transitou de Fortaleza para o Rio de Janeiro, como parte dos presentes que o Diário do Nordeste, em nome dos cearenses, enviou para homenageá-lo em seu aniversário de 80 anos.

Ficou até nervoso. "É cajá?" Ergueu-se um pouco da cadeira de rodas, espichou com o rabo do olho e repetiu desconfiado. "É Cajá? Cajá mesmo?". Afastou a sonda do nariz e foi comendo cajá e quebrando com o dente a casquinha da pitomba. Enquanto roía o caroço, bem devagar e com cara de criança levada, ria-se dos porquês das frutas não estarem tão frescas e até um pouco amassadas. "Imagino a aventura de vir de tão longe cuidando desse pacote tão grande, menina", disse com carinho, cheirando as atas, goiabas e acerolas que também foram de presente para minimizar a saudade da terrinha.

O torcedor
 "Estou sabendo que no Ceará todos estão torcendo por minha saúde", entrecortou Chico, com voz grave. "O Ceará é sempre querido, sempre faz parte dos meus planos. Acho Fortaleza uma cidade divina, sem contar que as praias são insuperáveis. O único problema de lá é o Ferroviário...Ferrim, meu time do coração, podendo me dar essa alegria! Se eu acertasse na mega-sena, ajudava o Ferrim".

Quando falou no Ferroviário, deu para sentir um certo pesar. Chico murchou na cadeira. Até pensei que viesse uma brincadeira, mas ele emendou. "Eu, criança, meu pai presidente do Ceará, e eu torcedor do Ferrim, sozinho lá em casa... O único da família que não torce Ceará sou eu". E apareceu na testa aquela tez enrugada, que todo torcedor fanático-amargurado-desesperançoso tem. E acho que ele estava falando sério mesmo!

Com sonda e oxigênio a reboque, Chico está com movimentos lentos, mas a voz continua a mesma...o vozeirão de sempre. E o corpo cansado não corresponde à avidez por se expressar, denunciadas por alguns instantes de olhar firme.

"Estou bem, fazendo fisioterapia para o músculo me segurar, comendo tudo, só me falta andar, porque as pernas ainda estão fracas. Quatro meses de cama, dois meses só de UTI, é uma lenha! E sem poder beber água? Só tomava oito pingos na boca. É isso, entrei na quarta vida, agora só me restam três", diz sorrindo com o canto da boca.

A celebração
Feliz aniversário, ´Amado Mestre´! E Chico se apruma na cadeira quando vê saindo mais presentes da sacola. Dessa vez, duas imagens advindas do município de Canindé, especialmente para nosso gênio do século XX. Na primeira caixa veio São Francisco de Assis, xará e seu santo de devoção, devidamente trajado em tecido de saco tingido de marrom, com terço ornando o corpinho de 30 centímetros e claro, o cordão amarrado na cintura.

A amiga inseparável, Santa Clara, mais linda ainda, veio em outra caixinha do mesmo tamanho, com o hábito marrom também de saco, mantilha preta na cabeça, tercinho no corpo, igualzinho aos trajes das Irmãs Clarissas, que vivem enclausuradas e em contemplação no Mosteiro do Santíssimo Sacramento, e que são responsáveis pela estilização das imagens.

Chico colocou as duas mãos no peito, meio rindo, meio emocionado, e ouviu atento à narração da "via sacra" que o casal de santos percorreu até chegar às suas mãos, no belo apartamento de varanda envidraçada de ponta a ponta, com vista belíssima para a Lagoa da Barra, lugar onde mora há pouco mais de um ano com a mulher, Malga di Paula.

"Essas imagens são produzidas dentro do Convento das Irmãs Clarissas", expliquei. "Por sorte, ficamos sabendo que duas freiras vinham de Canindé para Fortaleza na quarta-feira, 6, dia seguinte ao senhor ter confirmado por telefone que poderia me receber para uma visita de aniversário no sábado à tarde, dia 9". E ele comendo pitomba. "Elas chegaram às cinco da manhã, trouxeram a encomenda de seus presentes, juntamente com esse CD de músicas sacras, e mandaram dizer que sua saúde está na intercessão da clausura. Depois as deixei em um hospital ali, na Aldeota, motivo pelo qual estavam na Capital".

"Você se livrou de um peso danado agora... Que aventura! Mas obrigado, obrigado por tudo, pelas frutas, CD, imagens, livros, pela lembrança, obrigado mesmo".

O fumo
"Chico", indago, logo depois de Malga encerrar a conversa e dar o sinal para que as enfermeiras afastem a cadeira de rodas para trás, onde ele retomaria a conversa com Daniela Escobar, "minha vizinha do 15", brincou Chico, a atriz que também estava lá de visita. "Chico, sei que, por diversas razões, o senhor não pode conceder entrevista, mas preciso saber se o senhor acredita que tudo isso que está acontecendo tem a ver com cigarro?"

"Se eu acho? Eu tenho certeza! Tudo isso que eu passo é por conta do cigarro. Se eu fosse ter de novo uma vida, faria tudo que fiz, até errado o que errei, só não fumava mais. Fumei durante 40 anos, quatro carteiras por dia, mas não se iluda, tanto faz uma como quatro, o mal é igual. Um dia resolvi parar, porque se você quiser parar, você para! Mas para mim foi tarde demais. Quando decidi, o enfisema já estava aqui."

Beijei sua mão, pedi sua bênção e fui para a sala contígua à varanda, aliás, ampla, elegante e impessoal como o ambiente anterior. Lá, Malga di Paula aguardava para uma breve conversa. E a entrevista deu certa dimensão do que vem acontecendo nos últimos meses com nosso Chico Anysio.

ENTREVISTA
Malga di Paula*

Malga di Paula
"Vários dias me disseram que o Chico (Anysio) não ia sobreviver"
Chico Anysio está novamente em casa depois de quase quatro meses internado. Como será de agora em diante?
Olha, eu que tô cuidando... Sinceramente? Não pensei em muitas coisas para o futuro. Porque o mais importante naquele momento era salvar a vida dele, era tê-lo vivo. O que desencadeou tudo isso foi um problema cardíaco que ele teve, numa artéria. Aí teve de colocar um stent (espécie de tubo condutor). Só que colocando esse stent, deu errado, furou a artéria, vazou sangue para dentro do pericárdio, foi um horror.

Isso aconteceu em dezembro?
Foi em dezembro. Aí, depois disso, foi uma luta, porque ele pegou infecção, teve um monte de problemas, foi uma batalha. Várias coisas aconteceram. Várias coisas ruins aconteceram. Vários dias me disseram que o Chico não ia sobreviver e tal.

Ele mudou de médico nesse processo, não foi?
Ele tinha um médico que estava cuidado dele, o Luiz Cesar Cossenza, mas eu não estava gostando da conduta dele, eu não estava satisfeita com ele fazia um tempo. Demorei mais tempo para trocar porque a família não concordava, filhos, irmãos, todo mundo. Mas aí tive que enfrentar sozinha e trocar de médico, sozinha, contra todo mundo. Depois de 56 dias que Chico estava lá (no Hospital Samaritano) troquei de médico. Foi no meio do processo mesmo, Chico estava no CTI. Aí chamei o doutor Luiz Alfredo Lamy e a equipe dele. Porque antes só tinha um médico que cuidava dele. Depois que entrou toda uma equipe, ele melhorou. Porque, até então, era uma cacetada atrás da outra. Um conselho que eu dou é que você nunca tenha medo de pedir a opinião para outro profissional. Tem hora que a decisão certa é trocar e foi o que fiz. Foi uma luta, contra todo mundo, mas deu certo, graças a Deus.

Você está com Chico Anysio há quanto tempo?
Vai fazer 13 anos. Quando o conheci, eu tinha 28 anos, agora estou com 41. Eu era cantora e vim fazer uma entrevista com ele sobre Dolores Duran, porque eles foram parceiros, ela gravou muitas músicas dele. Na época, consegui uma entrevista na casa dele! E doze dias depois nos casamos.

Doze dias? Foi rápido, né?
Quando fez nove dias que a gente se conhecia, fui embora para Porto Alegre, porque tinha minha vida lá. Daí ele ficou falando: "volta, volta, volta". Quero ver se esse cara tá falando sério mesmo. Daí, falei: "ah, se você quer que eu volte, vem me buscar". Ele pegou o primeiro avião e foi me buscar.

*Cantora e esposa de Chico Anysio

NATERCIA ROCHA
ENVIADA AO RIO DE JANEIRO

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