A Festa do Marco Vivo representa a reafirmação das identidades culturais, na aldeia dos índios Jenipapo-Kanindé
Aquiraz A "mãe natureza" põe o seu filho no colo. Ele se estrebucha todo e faz traquinagem, mas mãe não dá leite e carinho em filho traquino. Não é obedecer, é respeitar. O resto vem. Em cima de morros e dunas, ao redor da Lagoa Encantada, a vida é celebrada com conquistas e um certificado de luta, e tudo tem vida na aldeia dos índios Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz. Um ritual realizado todos os anos, a Festa do Marco Vivo representa a reafirmação das identidades culturais. Uma festa ecológica e sustentável em agradecimento ao pão de cada dia. Em gritos de paz, filhos da mãe natureza e do pai tupã comemoram a decisão judicial definitiva que dá posse da terra aos "índios da Encantada". A um só tempo surge a mais nova liderança do povoado: a jovem cacique Erê.
Embaixo das mangueiras do tio Adorico, sob o teto de folhas, índio Bão e Cacique Pequena comemoram mais um ano de ritual. Estão ali como exemplos vivos da história de luta pelos direitos dos índios. A comunidade comemora e se pinta. A 50km da Capital, na direção do mar, vão chegando outros "irmãos de luta" das etnias Tremembé, Tapeba e Pitaguary. Cada um tem sua história de identificação, demarcação e a sonhada delimitação das terras para que daí sejam homologadas em definitivo para os índios.
O sonho chegou para os moradores daquela aldeia. Há dois meses viram publicado no Diário Oficial da União a declaração de "posse permanente do grupo indígena Jenipapo-Kanindé a terra indígena Lagoa Encantada". Era esse um grande objetivo da luta travada há mais de duas décadas. "E neste ano se inicia uma nova etapa, um novo momento", afirma Juliana Alves, a cacique Erê. Ela assume o posto da mãe, Maria de Lourdes da Conceição Alves, a Cacique Pequena, primeira mulher a assumir essa função numa etnia indígena brasileira. A Festa do Marco Vivo deste ano ganhou novas cores.
O ritual do Marco Vivo, realizado neste ano em 8 e 9 de abril, reúne todo ano os povos indígenas em orações, danças, encontro com seus ancestrais e o pai Tupã, ou simplesmente, Deus. E "que Deus lhe dê muita saúde, vá com a proteção do pai Tupã, abençoe os seus caminhos", desejou Pequena à nova filha Cacique. Erê ouvia as palavras com um tronco de yburana no ombro. Em revezamento com outros índios, iniciou a caminhada pelo mangue e pelo Morro do Urubu, à margem da Lagoa Encantada. Após 40 minutos de trilha, seguida por dezenas de pessoas, Cacique Erê sela mais um ano de Marco Vivo: o tronco de yburana é plantado no chão, para "pegar raiz", e dali uma nova árvore, mais uma para contar a história, assim como outras 13 árvores, que são fincadas desde 1997, primeiro ano do Marco Vivo. Em cantos e rezas, os índios dançam o toré ao redor da yburana, ou imburana, de nome científico Amburana cearensis. Pode atingir até 15 metros de altura, e suas folhas têm indicação farmacológica. Fazem ótimo "peitoral", mel lambedor no combate à tosse, bronquite e resfriado. A semente serve para perfumar roupas e produzir sabonetes.
Agradecimento
Coberto em folhas e com laço de fita, o tronco do Marco Vivo é apoiado pela mão da Cacique Erê em oração. Ela não pede, só agradece. No silêncio de todos que acompanham o ritual, sua voz só é interrompida pelo próprio embargo, da emoção de estar ali, homenageando a própria mãe, que por quase duas décadas liderou a etnia e fez aquele mesmo caminho.
"Ficam os ensinamentos da nossa grande líder: não temos que fazer as vontades dos homens da terra, e sim do nosso pai Tupã", diz Erê, para iniciar de mãos dadas a "oração que o pai Tupã nos ensinou: Pai nosso que estás no céu...".
O cacicado, geralmente só transmitido quando o cacique morre, é singular nesta etnia. Viva e lúcida, dona Pequena promete continuar lutando por seu povo. E onde eles forem, vão as ladainhas da cacique Pequena: "Eu moro numa floresta só vejo os pássaros "voar"/Eu moro numa lagoa só vejo os peixes "nadar"/Moro perto de uma duna, que ela emenda na lagoa/Moro perto de um lago, que ele sangra para o mar/ É que eu vivo na mata enterrada na areia e de pé no chão...".
CELEBRAÇÃO À NATUREZA
Etnia desenvolve turismo comunitário e ecológico
Aquiraz A Festa do Marco Vivo é também uma celebração à natureza. O senso de preservação dos índios Jenipapo-Kanindé é tanto que até mesmo um tronco de árvore que arrancam para o ritual é, por isso mesmo, replantado em outro lugar, para multiplicar a vida. Além de viverem da pesca, da agricultura e da pecuária, os índios desenvolvem o turismo comunitário e ecológico pela Lagoa Encantada. Além do refrescante banho de lagoa, são muitas as áreas boas para trilha e acampamento no Morro do Urubu. No meio do caminho, lindas paisagens de uma natureza que quer se manter distante da ação invasiva do homem.
A homologação das terras da "Encantada" pelo Ministério da Justiça dá espaço para os índios intensificarem o trabalho ecológico no lugar. Está acontecendo o processo de desintrusão. Trocando em miúdos, a empresa Ypióca e alguns posseiros que cercaram área dentro da demarcação indígena terão que sair dali. Então, até mesmo o espaço de trilha ecológica e de cultivo agrícola será ampliado pelos Jenipapo-Kanindé. Eles plantam milho, feijão e batata em regime de sequeiro. Mas o solo é tão úmido e fértil que o fim da estação chuvosa é o melhor período para plantar.
A vegetação que rodeia a Lagoa Encantada é rica em árvores frutíferas. Os adeptos do ecoturismo que vão para lá não perdem a oportunidade de subir nas árvores para colher pitomba do pé. Descascam e comem ali mesmo.
O turismo nessa região litorânea de Aquiraz faz parte da Rede Cearense de Turismo Comunitário (Tucum), que reúne regiões dos povos do mar do Ceará que promovem o turismo sem exploração econômica nem abuso ao meio ambiente.
MAIS INFORMAÇÕES
Visitas à Lagoa Encantada
Município de Aquiraz
Contatos: (85) 9193.34 94 / (85) 9171.61 11 / (85) 9204.65 90
Melquíades júnior
Colaborador
Fonte: Diário do Nordeste
Cacique erê, em revezamento com outros índios, iniciou a caminhada pelo mangue e Morro do Urubu, à margem da lagoa e se emocionou FOTO: MELQUÍADES JÚNIOR |
Embaixo das mangueiras do tio Adorico, sob o teto de folhas, índio Bão e Cacique Pequena comemoram mais um ano de ritual. Estão ali como exemplos vivos da história de luta pelos direitos dos índios. A comunidade comemora e se pinta. A 50km da Capital, na direção do mar, vão chegando outros "irmãos de luta" das etnias Tremembé, Tapeba e Pitaguary. Cada um tem sua história de identificação, demarcação e a sonhada delimitação das terras para que daí sejam homologadas em definitivo para os índios.
O sonho chegou para os moradores daquela aldeia. Há dois meses viram publicado no Diário Oficial da União a declaração de "posse permanente do grupo indígena Jenipapo-Kanindé a terra indígena Lagoa Encantada". Era esse um grande objetivo da luta travada há mais de duas décadas. "E neste ano se inicia uma nova etapa, um novo momento", afirma Juliana Alves, a cacique Erê. Ela assume o posto da mãe, Maria de Lourdes da Conceição Alves, a Cacique Pequena, primeira mulher a assumir essa função numa etnia indígena brasileira. A Festa do Marco Vivo deste ano ganhou novas cores.
O ritual do Marco Vivo, realizado neste ano em 8 e 9 de abril, reúne todo ano os povos indígenas em orações, danças, encontro com seus ancestrais e o pai Tupã, ou simplesmente, Deus. E "que Deus lhe dê muita saúde, vá com a proteção do pai Tupã, abençoe os seus caminhos", desejou Pequena à nova filha Cacique. Erê ouvia as palavras com um tronco de yburana no ombro. Em revezamento com outros índios, iniciou a caminhada pelo mangue e pelo Morro do Urubu, à margem da Lagoa Encantada. Após 40 minutos de trilha, seguida por dezenas de pessoas, Cacique Erê sela mais um ano de Marco Vivo: o tronco de yburana é plantado no chão, para "pegar raiz", e dali uma nova árvore, mais uma para contar a história, assim como outras 13 árvores, que são fincadas desde 1997, primeiro ano do Marco Vivo. Em cantos e rezas, os índios dançam o toré ao redor da yburana, ou imburana, de nome científico Amburana cearensis. Pode atingir até 15 metros de altura, e suas folhas têm indicação farmacológica. Fazem ótimo "peitoral", mel lambedor no combate à tosse, bronquite e resfriado. A semente serve para perfumar roupas e produzir sabonetes.
Agradecimento
Coberto em folhas e com laço de fita, o tronco do Marco Vivo é apoiado pela mão da Cacique Erê em oração. Ela não pede, só agradece. No silêncio de todos que acompanham o ritual, sua voz só é interrompida pelo próprio embargo, da emoção de estar ali, homenageando a própria mãe, que por quase duas décadas liderou a etnia e fez aquele mesmo caminho.
"Ficam os ensinamentos da nossa grande líder: não temos que fazer as vontades dos homens da terra, e sim do nosso pai Tupã", diz Erê, para iniciar de mãos dadas a "oração que o pai Tupã nos ensinou: Pai nosso que estás no céu...".
O cacicado, geralmente só transmitido quando o cacique morre, é singular nesta etnia. Viva e lúcida, dona Pequena promete continuar lutando por seu povo. E onde eles forem, vão as ladainhas da cacique Pequena: "Eu moro numa floresta só vejo os pássaros "voar"/Eu moro numa lagoa só vejo os peixes "nadar"/Moro perto de uma duna, que ela emenda na lagoa/Moro perto de um lago, que ele sangra para o mar/ É que eu vivo na mata enterrada na areia e de pé no chão...".
CELEBRAÇÃO À NATUREZA
Etnia desenvolve turismo comunitário e ecológico
Aquiraz A Festa do Marco Vivo é também uma celebração à natureza. O senso de preservação dos índios Jenipapo-Kanindé é tanto que até mesmo um tronco de árvore que arrancam para o ritual é, por isso mesmo, replantado em outro lugar, para multiplicar a vida. Além de viverem da pesca, da agricultura e da pecuária, os índios desenvolvem o turismo comunitário e ecológico pela Lagoa Encantada. Além do refrescante banho de lagoa, são muitas as áreas boas para trilha e acampamento no Morro do Urubu. No meio do caminho, lindas paisagens de uma natureza que quer se manter distante da ação invasiva do homem.
A homologação das terras da "Encantada" pelo Ministério da Justiça dá espaço para os índios intensificarem o trabalho ecológico no lugar. Está acontecendo o processo de desintrusão. Trocando em miúdos, a empresa Ypióca e alguns posseiros que cercaram área dentro da demarcação indígena terão que sair dali. Então, até mesmo o espaço de trilha ecológica e de cultivo agrícola será ampliado pelos Jenipapo-Kanindé. Eles plantam milho, feijão e batata em regime de sequeiro. Mas o solo é tão úmido e fértil que o fim da estação chuvosa é o melhor período para plantar.
A vegetação que rodeia a Lagoa Encantada é rica em árvores frutíferas. Os adeptos do ecoturismo que vão para lá não perdem a oportunidade de subir nas árvores para colher pitomba do pé. Descascam e comem ali mesmo.
O turismo nessa região litorânea de Aquiraz faz parte da Rede Cearense de Turismo Comunitário (Tucum), que reúne regiões dos povos do mar do Ceará que promovem o turismo sem exploração econômica nem abuso ao meio ambiente.
MAIS INFORMAÇÕES
Visitas à Lagoa Encantada
Município de Aquiraz
Contatos: (85) 9193.34 94 / (85) 9171.61 11 / (85) 9204.65 90
Melquíades júnior
Colaborador
Fonte: Diário do Nordeste
Um comentário:
Oi querido
Seu blog é um grande acervo cultural
Parabéns!
Bom domingo.
Saudações poéticas!
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