A ser lançado hoje, novo livro do bibliófilo cearense José Augusto Bezerra reúne manuscritos raros relacionados à história do Brasil
Sem registros, não há história. A preservação da memória de um povo depende da documentação dos seus inúmeros aspectos de vida, hoje possível de se realizar em formatos tão diversos quanto vídeo, fotografia, gravação de áudio e, claro, a boa e velha escrita.
Durante séculos, porém, os registros escritos foram a única opção para fixar a trajetória das sociedades - primeiro redigidos à mão; depois, com a ajuda da prensa tipográfica de Gutenberg (antecedida pelos tipos móveis rudimentares inventados pelos chineses). Quando resistem ao tempo, tais documentos tornam-se praticamente uma ligação direta com o passado, aspecto que lhes confere certo fascínio, não apenas por parte de historiadores e profissionais da área, mas do público em geral.
No caso dos manuscritos, o fetiche é ainda mais pulsante. Pois o que está no papel não é apenas a tinta, as manchas ou a atmosfera da ocasião, mas a caligrafia de quem o redigiu, com todo o apelo do chamado "próprio punho" embutido.
Certamente, esse fascínio foi um dos motivos que levou o escritor e bibliófilo José Augusto Bezerra a adquirir o primeiro manuscrito de sua coleção, atualmente com cerca de dois mil e quinhentos itens - uma das mais vastas do País. Parte desse acervo foi reunida no livro "Uma história do Brasil em manuscritos", a ser lançado hoje, na biblioteca da Universidade de Fortaleza. A apresentação será da escritora Ana Miranda.
Editada pelo Instituto do Ceará - Histórico, Geográfico e Antropológico, do qual Bezerra é presidente, com o apoio do Banco do Nordeste e da Unifor, a obra revela-se uma importante contribuição historiográfica para o Brasil, não apenas devido à raridade dos documentos reproduzidos, mas pelo trabalho de contextualização dos mesmos. Além de uma pequena descrição, cada manuscrito é acompanhado de breve texto sobre o tema ao qual está relacionado. No fim do livro, há ainda a transcrição de todos eles. Alguns são enriquecidos com fotografias, gravuras, impressos, imagens de medalhas, moedas e outros itens da biblioteca do autor
"É quase uma mini-história por página. Foi um trabalho de síntese muito grande e desafiador, pois tivemos que resumir tudo o que precisava ser dito sobre cada tópico em espaço reduzido", conta Bezerra. "Além da responsabilidade em garantir que, entre milhares de informações, nada saísse errado, pois a obra servirá de referência para pesquisadores".
A seleção dos documentos foi elaborada dentro de uma perspectiva cronológica, a partir de fatos culminantes ou personagens de destaque da história nacional, no período da descoberta do País (1500) até a queda do Império, em 1889. No fim, o autor chegou ao número de 50 tópicos - a lista inclui desde Américo Vespúcio e Pedro Álvares Cabral, passando por índios, a Corte Portuguesa, a primeira Constituição Brasileira, a Guerra do Paraguai, a escravidão até o exílio da Família Imperial.
"O critério cronológico foi uma escolha pessoal, mas todos os historiadores que viram o livro foram unânimes ao dizer que a seleção ficou bem feita", comemora Bezerra. Dentre os manuscritos presentes no livro, há raridades como uma cópia manuscrita da carta "Lettera de Amerigo Vespucci", datada de setembro de 1504, que relata as supostas quatro viagens marítimas do italiano Vespúcio. Na tradução latina, o documento deu origem ao nome "América".
Obviamente, um trabalho desse porte não poderia ser desenvolvido apenas a duas mãos. "Tivemos uma equipe excelente de profissionais. Ressalte-se que o livro foi todo feito no Ceará, desde as pesquisas até a impressão", sublinha Bezerra. São quase 30 nomes envolvidos no projeto, entre fotógrafos, revisores, responsáveis pelas transcrições, designers, tradutores (todos os textos têm versão em inglês no livro), entre outros.
A elaboração de "Uma História do Brasil em Manuscritos" tomou dois anos de Bezerra e sua equipe. "Mas a seleção dos documentos começou antes, há uns cinco anos", revela. O resultado de tanto empenho não tardou. Logo após a finalização da obra, veio o primeiro prêmio, da Academia Portuguesa da História e da Fundação Calouste Gulbenkian, em concurso sobre a presença portuguesa no mundo. "Vamos recebê-lo em Lisboa, no dia 7 de dezembro", adianta Bezerra.
Vale ressaltar ainda a avaliação do Dr. Aquiles Alencar Brayner, curador do acervo latino-americano da British Library, em Londres (Inglaterra), para quem o livro constitui "magnífico catálogo, uma das mais importantes obras para o estudo e apreciação da cultura brasileira" (segundo breve texto publicado na contracapa). Brayner elogia ainda os esforços de Bezerra em reunir manuscritos - muitos dos quais "espalhados pelo mundo e desconhecidos em sua quase totalidade".
Nascido em 1948, em Alto Santo, no Ceará, José Augusto Bezerra seguiu ainda pequeno para Recife, onde completou os estudos. Retornou a Fortaleza adulto, já com um terço dos aproximadamente 27 mil volumes que compõem sua biblioteca. "Hoje pode ser considerada uma das coleções particulares mais completas do País, inclusive na parte de manuscritos", orgulha-se. A maior parte do material é adquirida por meio de leilões ou com livreiros antigos. Para Bezerra, manuscritos e outros documentos do tipo são importantes por constituírem registros ligados às fontes primárias da história - os personagens e acontecimentos. "Por se tratar de material original, a ocorrência de erros de interpretação ou de versões incorretas é mais difícil", analisa.
O cearense ressalta ainda o valor emocional desses documentos. "No livro há, por exemplo, uma carta redigida pelo Guarda-Marinha Joaquim Cândido do Nascimento, que participou da Guerra do Paraguai. Nela ele descreve a dor das batalhas, o ´Teatro da Guerra´. Provavelmente foi sua última correspondência, pois ele morreu dias depois. Qualquer outro documento não terá esse fetiche de ver o papel que foi manuseado pelo próprio autor", avalia.
Livro
Uma história do Brasil em manuscritos
José Augusto Bezerra
Instituto do Ceará
2011
240 páginas
R$ 100 (no dia do lançamento)
Lançamento - Hoje, às 20 horas, no auditório da Biblioteca da Unifor. Contato: (85) 3477.3000
ADRIANA MARTINS
REPÓRTER
O bibliófilo José Augusto Bezerra, responsável pela coordenação, organização, seleção dos documentos e pelos textos do livro Uma história do Brasil em Manuscritos FOTO: RODRIGO CARVALHO
Sem registros, não há história. A preservação da memória de um povo depende da documentação dos seus inúmeros aspectos de vida, hoje possível de se realizar em formatos tão diversos quanto vídeo, fotografia, gravação de áudio e, claro, a boa e velha escrita.
Durante séculos, porém, os registros escritos foram a única opção para fixar a trajetória das sociedades - primeiro redigidos à mão; depois, com a ajuda da prensa tipográfica de Gutenberg (antecedida pelos tipos móveis rudimentares inventados pelos chineses). Quando resistem ao tempo, tais documentos tornam-se praticamente uma ligação direta com o passado, aspecto que lhes confere certo fascínio, não apenas por parte de historiadores e profissionais da área, mas do público em geral.
No caso dos manuscritos, o fetiche é ainda mais pulsante. Pois o que está no papel não é apenas a tinta, as manchas ou a atmosfera da ocasião, mas a caligrafia de quem o redigiu, com todo o apelo do chamado "próprio punho" embutido.
Certamente, esse fascínio foi um dos motivos que levou o escritor e bibliófilo José Augusto Bezerra a adquirir o primeiro manuscrito de sua coleção, atualmente com cerca de dois mil e quinhentos itens - uma das mais vastas do País. Parte desse acervo foi reunida no livro "Uma história do Brasil em manuscritos", a ser lançado hoje, na biblioteca da Universidade de Fortaleza. A apresentação será da escritora Ana Miranda.
Editada pelo Instituto do Ceará - Histórico, Geográfico e Antropológico, do qual Bezerra é presidente, com o apoio do Banco do Nordeste e da Unifor, a obra revela-se uma importante contribuição historiográfica para o Brasil, não apenas devido à raridade dos documentos reproduzidos, mas pelo trabalho de contextualização dos mesmos. Além de uma pequena descrição, cada manuscrito é acompanhado de breve texto sobre o tema ao qual está relacionado. No fim do livro, há ainda a transcrição de todos eles. Alguns são enriquecidos com fotografias, gravuras, impressos, imagens de medalhas, moedas e outros itens da biblioteca do autor
"É quase uma mini-história por página. Foi um trabalho de síntese muito grande e desafiador, pois tivemos que resumir tudo o que precisava ser dito sobre cada tópico em espaço reduzido", conta Bezerra. "Além da responsabilidade em garantir que, entre milhares de informações, nada saísse errado, pois a obra servirá de referência para pesquisadores".
A seleção dos documentos foi elaborada dentro de uma perspectiva cronológica, a partir de fatos culminantes ou personagens de destaque da história nacional, no período da descoberta do País (1500) até a queda do Império, em 1889. No fim, o autor chegou ao número de 50 tópicos - a lista inclui desde Américo Vespúcio e Pedro Álvares Cabral, passando por índios, a Corte Portuguesa, a primeira Constituição Brasileira, a Guerra do Paraguai, a escravidão até o exílio da Família Imperial.
"O critério cronológico foi uma escolha pessoal, mas todos os historiadores que viram o livro foram unânimes ao dizer que a seleção ficou bem feita", comemora Bezerra. Dentre os manuscritos presentes no livro, há raridades como uma cópia manuscrita da carta "Lettera de Amerigo Vespucci", datada de setembro de 1504, que relata as supostas quatro viagens marítimas do italiano Vespúcio. Na tradução latina, o documento deu origem ao nome "América".
Obviamente, um trabalho desse porte não poderia ser desenvolvido apenas a duas mãos. "Tivemos uma equipe excelente de profissionais. Ressalte-se que o livro foi todo feito no Ceará, desde as pesquisas até a impressão", sublinha Bezerra. São quase 30 nomes envolvidos no projeto, entre fotógrafos, revisores, responsáveis pelas transcrições, designers, tradutores (todos os textos têm versão em inglês no livro), entre outros.
A elaboração de "Uma História do Brasil em Manuscritos" tomou dois anos de Bezerra e sua equipe. "Mas a seleção dos documentos começou antes, há uns cinco anos", revela. O resultado de tanto empenho não tardou. Logo após a finalização da obra, veio o primeiro prêmio, da Academia Portuguesa da História e da Fundação Calouste Gulbenkian, em concurso sobre a presença portuguesa no mundo. "Vamos recebê-lo em Lisboa, no dia 7 de dezembro", adianta Bezerra.
Vale ressaltar ainda a avaliação do Dr. Aquiles Alencar Brayner, curador do acervo latino-americano da British Library, em Londres (Inglaterra), para quem o livro constitui "magnífico catálogo, uma das mais importantes obras para o estudo e apreciação da cultura brasileira" (segundo breve texto publicado na contracapa). Brayner elogia ainda os esforços de Bezerra em reunir manuscritos - muitos dos quais "espalhados pelo mundo e desconhecidos em sua quase totalidade".
Nascido em 1948, em Alto Santo, no Ceará, José Augusto Bezerra seguiu ainda pequeno para Recife, onde completou os estudos. Retornou a Fortaleza adulto, já com um terço dos aproximadamente 27 mil volumes que compõem sua biblioteca. "Hoje pode ser considerada uma das coleções particulares mais completas do País, inclusive na parte de manuscritos", orgulha-se. A maior parte do material é adquirida por meio de leilões ou com livreiros antigos. Para Bezerra, manuscritos e outros documentos do tipo são importantes por constituírem registros ligados às fontes primárias da história - os personagens e acontecimentos. "Por se tratar de material original, a ocorrência de erros de interpretação ou de versões incorretas é mais difícil", analisa.
O cearense ressalta ainda o valor emocional desses documentos. "No livro há, por exemplo, uma carta redigida pelo Guarda-Marinha Joaquim Cândido do Nascimento, que participou da Guerra do Paraguai. Nela ele descreve a dor das batalhas, o ´Teatro da Guerra´. Provavelmente foi sua última correspondência, pois ele morreu dias depois. Qualquer outro documento não terá esse fetiche de ver o papel que foi manuseado pelo próprio autor", avalia.
Livro
Uma história do Brasil em manuscritos
José Augusto Bezerra
Instituto do Ceará
2011
240 páginas
R$ 100 (no dia do lançamento)
Lançamento - Hoje, às 20 horas, no auditório da Biblioteca da Unifor. Contato: (85) 3477.3000
ADRIANA MARTINS
REPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste
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