Autor do best-seller "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", o jornalista Leandro Narloch fala, em entrevista por telefone ao Caderno 3, sobre a composição de seu polêmico livro
O fato de você ter sido editor de uma revista com um projeto editorial como o da Superinteressante teve alguma influência?
Teve bastante influência. Tive a ideia de produzir o livro quando trabalhava na revista "Aventuras na História". Lá, tive contato com esse universo histórico e, quando trabalhei para a Superinteressante, conheci essa nova História do Brasil, os estudos produzidos nos últimos 20 ou 30 anos. Percebi com essas pesquisas que tudo o que eu tinha aprendido na escola era muito diferente, não era tão verdade assim. Era uma história de bons contra maus, de mocinhos e bandidos... Assim surgiu a ideia. Fui percebendo que nem sempre as grandes potências eram assim tão más e nem sempre os países menores eram as vítimas.
Qual sua relação com as pesquisas em História? Você tem formação na área?
Não. Na verdade, meu livro é uma produção de jornalista, não de historiador. Foi feito a partir de um ofício de jornalista mesmo, de reunir fontes e histórias. Pesquisei em muitas dissertações, mas esse não é um livro imparcial ou científico.
Quanto tempo levou para escrever o livro e quais os principais pesquisadores consultados?
A ideia do livro surgiu em 2004, mas só comecei a fazer em 2006 e terminei em 2009. Ou seja, foram pelo menos uns cinco anos pensando nisso. Quanto aos pesquisadores, a partir dos anos 90, surgiu uma nova geração de historiadores. Antes, o historiador tinha uma ideia do mundo e tentava aplicar ao Brasil. Conceitos marxistas como luta de classes, por exemplo, eram aplicados à realidade brasileira. Nos anos 90 não, eles começaram a analisar os documentos e só a partir daí tiravam conclusões, e isso a despeito de suas posições ideológicas. Os estudos começaram a ser elaborados independente de suas ideologias. Foram esses estudos que eu utilizei. "Maldita guerra", do Francisco Doratioto, sobre a Guerra do Paraguai, foi um livro que eu usei bastante, além de João Fragoso, Manolo Florentino... Francisco Vidal Luna, por exemplo, tem centenas de milhares de dados sobre a escravidão.
Na orelha do livro diz-se que ele é uma pequena coletânea de pesquisas sérias. Como você as avaliou e o que as tornam pesquisas "sérias"?
Aqueles livros que a gente usou na escola e nos quais nos baseamos eram mais um manifesto marxista do que pesquisas sérias. Eles se faziam de sérios, mas não eram. Eram, na verdade, bem parciais. Esse meu livro é bem parcial também, sei disso. Mas se você pensar, o Caio Prado Junior tem uma visão muito marxista, ele que reforçou ideias como o latifundiário onipotente, a colônia agrícola exportadora e a grande potência que sugou nossas riquezas.
Falando sobre autores, quem representa a velha geração da historiografia nacional e quem está no campo dessa nova geração?
Acho que da geração antiga posso citar Florestan Fernandes, Caio Prado Junior, Celso Furtado, até Fernando Henrique dá pra entrar. Na nova, acho que o João Fragoso e outros que eu já citei como o Florentino e o Doratioto. O Elio Gaspari também.
O que pensa do resultado dos estudos acadêmicos em História? Acha que eles reforçam os estereótipos ou que se esforçam em desmitificá-los?
Tem as duas coisas convivendo juntas. Tem uma história sendo bem contada hoje em dia por alguns acadêmicos, mas por outro lado ainda tem muito professor que dá aula pra Ensino Médio que acha que deve preparar seus alunos para uma revolução comunista. Fico impressionado quando vejo livros que foram feitos ano passado, algo super recente, e tem coisas assim. Verdadeiras propagandas em prol do Che Guevara. Não quero que eles omitam partes da história, mas... Não sei, sou meio radical pelo outro lado, para mim o Capitalismo foi a melhor coisa que fizeram para os pobres.
Você julga que histórias como as que elencou deveriam ser incluídas nos livros didáticos?
Acho que sim. Sei que algumas delas já são meio batidas... quando escrevi sobre a Guerra do Paraguai, fiquei pensando se deveria mesmo falar disso, mas, por outro lado, acho que muita gente ainda acredita que a Inglaterra levou o Brasil à guerra, que ela comandou a guerra do Paraguai. Acho que debates como esse deixam a história mais rica, talvez meu livro devesse ser um material complementar ao estudo de história nas escolas, mas eu preferia que os adolescentes comprassem meu livro escondido, como quem compra cigarros, sabe?
Na apresentação do livro, você comenta que estudos mais interessantes e politicamente incorretos não chegam com facilidade ao público. A que atribui esse fenômeno?
Acho que as pessoas gostam de histórias novelescas, como Odete Roitman, sabe? A opressão exercida pelos ricos e uma humilhação aos pobres... Mas acho que está na hora de lembrar que a história não é uma novela. Eu até me incomodo um pouco quando as pessoas dizem que no livro eu destruo mitos, não é exatamente isso o que eu faço. Quero apenas mostrar como a história é mais complexa. Algumas pessoas ainda acreditam que só havia duas condições para os índios: obedecer ou morrer, mas não é assim. Eles tinham interesses e se aliavam aos portugueses... Meu livro vai contra o discurso de vitimologia. Tento mostrar que os personagens da história eram tão complexos quanto qualquer pessoa.
Você diz que as pessoas gostam de histórias novelescas, mas seu livro não é um tanto novelesco? Quer dizer, as questões que você aborda não são novidades, são até óbvias, se contextualizadas.
Talvez. Um exemplo, o Zumbi dos Palmares. Ele tinha escravos e, se pensarmos bem, isso era meio óbvio, já que ele existiu no seculo XVII e ainda faltava pelo menos um século para se pensar em abolição da escravatura. A questão é: como a gente não pensou nisso antes? Tem um comentário de um blogueiro na contracapa do meu livro que explica bem. Meu livro não é revisionista, a história oficial é que é a revisão. Estou pensando em coisas elementares, as pessoas é que tinham esquecido. Outras coisas, bem, talvez não sejam novidade para os historiadores, mas para boa parte da população, são sim.
Hoje você está em quinto lugar na lista de mais vendidos da revista Veja. A que atribui essa grande venda do livro?
Acho que primeiro as pessoas estavam esperando por isso. Elas estavam desconfiando desse esquema marxista que nos foi imposto. A história não precisa ser um manifesto de lamentações, aconteceu muita desgraça e miséria, eu sei, mas tem muita coisa curiosa. Depois do lançamento de "1808", do jornalista Laurentino Gomes, eu me inspirei. Meu livro é curioso, engraçado. Acho que é por isso.
MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER
O fato de você ter sido editor de uma revista com um projeto editorial como o da Superinteressante teve alguma influência?
Teve bastante influência. Tive a ideia de produzir o livro quando trabalhava na revista "Aventuras na História". Lá, tive contato com esse universo histórico e, quando trabalhei para a Superinteressante, conheci essa nova História do Brasil, os estudos produzidos nos últimos 20 ou 30 anos. Percebi com essas pesquisas que tudo o que eu tinha aprendido na escola era muito diferente, não era tão verdade assim. Era uma história de bons contra maus, de mocinhos e bandidos... Assim surgiu a ideia. Fui percebendo que nem sempre as grandes potências eram assim tão más e nem sempre os países menores eram as vítimas.
Qual sua relação com as pesquisas em História? Você tem formação na área?
Não. Na verdade, meu livro é uma produção de jornalista, não de historiador. Foi feito a partir de um ofício de jornalista mesmo, de reunir fontes e histórias. Pesquisei em muitas dissertações, mas esse não é um livro imparcial ou científico.
Quanto tempo levou para escrever o livro e quais os principais pesquisadores consultados?
A ideia do livro surgiu em 2004, mas só comecei a fazer em 2006 e terminei em 2009. Ou seja, foram pelo menos uns cinco anos pensando nisso. Quanto aos pesquisadores, a partir dos anos 90, surgiu uma nova geração de historiadores. Antes, o historiador tinha uma ideia do mundo e tentava aplicar ao Brasil. Conceitos marxistas como luta de classes, por exemplo, eram aplicados à realidade brasileira. Nos anos 90 não, eles começaram a analisar os documentos e só a partir daí tiravam conclusões, e isso a despeito de suas posições ideológicas. Os estudos começaram a ser elaborados independente de suas ideologias. Foram esses estudos que eu utilizei. "Maldita guerra", do Francisco Doratioto, sobre a Guerra do Paraguai, foi um livro que eu usei bastante, além de João Fragoso, Manolo Florentino... Francisco Vidal Luna, por exemplo, tem centenas de milhares de dados sobre a escravidão.
Na orelha do livro diz-se que ele é uma pequena coletânea de pesquisas sérias. Como você as avaliou e o que as tornam pesquisas "sérias"?
Aqueles livros que a gente usou na escola e nos quais nos baseamos eram mais um manifesto marxista do que pesquisas sérias. Eles se faziam de sérios, mas não eram. Eram, na verdade, bem parciais. Esse meu livro é bem parcial também, sei disso. Mas se você pensar, o Caio Prado Junior tem uma visão muito marxista, ele que reforçou ideias como o latifundiário onipotente, a colônia agrícola exportadora e a grande potência que sugou nossas riquezas.
Falando sobre autores, quem representa a velha geração da historiografia nacional e quem está no campo dessa nova geração?
Acho que da geração antiga posso citar Florestan Fernandes, Caio Prado Junior, Celso Furtado, até Fernando Henrique dá pra entrar. Na nova, acho que o João Fragoso e outros que eu já citei como o Florentino e o Doratioto. O Elio Gaspari também.
O que pensa do resultado dos estudos acadêmicos em História? Acha que eles reforçam os estereótipos ou que se esforçam em desmitificá-los?
Tem as duas coisas convivendo juntas. Tem uma história sendo bem contada hoje em dia por alguns acadêmicos, mas por outro lado ainda tem muito professor que dá aula pra Ensino Médio que acha que deve preparar seus alunos para uma revolução comunista. Fico impressionado quando vejo livros que foram feitos ano passado, algo super recente, e tem coisas assim. Verdadeiras propagandas em prol do Che Guevara. Não quero que eles omitam partes da história, mas... Não sei, sou meio radical pelo outro lado, para mim o Capitalismo foi a melhor coisa que fizeram para os pobres.
Você julga que histórias como as que elencou deveriam ser incluídas nos livros didáticos?
Acho que sim. Sei que algumas delas já são meio batidas... quando escrevi sobre a Guerra do Paraguai, fiquei pensando se deveria mesmo falar disso, mas, por outro lado, acho que muita gente ainda acredita que a Inglaterra levou o Brasil à guerra, que ela comandou a guerra do Paraguai. Acho que debates como esse deixam a história mais rica, talvez meu livro devesse ser um material complementar ao estudo de história nas escolas, mas eu preferia que os adolescentes comprassem meu livro escondido, como quem compra cigarros, sabe?
Na apresentação do livro, você comenta que estudos mais interessantes e politicamente incorretos não chegam com facilidade ao público. A que atribui esse fenômeno?
Acho que as pessoas gostam de histórias novelescas, como Odete Roitman, sabe? A opressão exercida pelos ricos e uma humilhação aos pobres... Mas acho que está na hora de lembrar que a história não é uma novela. Eu até me incomodo um pouco quando as pessoas dizem que no livro eu destruo mitos, não é exatamente isso o que eu faço. Quero apenas mostrar como a história é mais complexa. Algumas pessoas ainda acreditam que só havia duas condições para os índios: obedecer ou morrer, mas não é assim. Eles tinham interesses e se aliavam aos portugueses... Meu livro vai contra o discurso de vitimologia. Tento mostrar que os personagens da história eram tão complexos quanto qualquer pessoa.
Você diz que as pessoas gostam de histórias novelescas, mas seu livro não é um tanto novelesco? Quer dizer, as questões que você aborda não são novidades, são até óbvias, se contextualizadas.
Talvez. Um exemplo, o Zumbi dos Palmares. Ele tinha escravos e, se pensarmos bem, isso era meio óbvio, já que ele existiu no seculo XVII e ainda faltava pelo menos um século para se pensar em abolição da escravatura. A questão é: como a gente não pensou nisso antes? Tem um comentário de um blogueiro na contracapa do meu livro que explica bem. Meu livro não é revisionista, a história oficial é que é a revisão. Estou pensando em coisas elementares, as pessoas é que tinham esquecido. Outras coisas, bem, talvez não sejam novidade para os historiadores, mas para boa parte da população, são sim.
Hoje você está em quinto lugar na lista de mais vendidos da revista Veja. A que atribui essa grande venda do livro?
Acho que primeiro as pessoas estavam esperando por isso. Elas estavam desconfiando desse esquema marxista que nos foi imposto. A história não precisa ser um manifesto de lamentações, aconteceu muita desgraça e miséria, eu sei, mas tem muita coisa curiosa. Depois do lançamento de "1808", do jornalista Laurentino Gomes, eu me inspirei. Meu livro é curioso, engraçado. Acho que é por isso.
MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste
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