Em Cruz, o pescador Pedro de Noé de Araújo tentar fisgar algumas piabas para complementar alimentação, mas reclama da salinização da água no trecho que passa na cidade FOTOS: CID BARBOSA |
Com um passado de glória, o Rio Acaraú hoje vive em alerta contra a poluição, desmatamento e extinção de espécies.
Monsenhor Tabosa. Um rio morto. Esta foi a constatação que diversos estudiosos, pesquisadores e moradores do Rio Acaraú fizeram sobre ele. O lixo e o assoreamento, decorrente do desmatamento da mata ciliar e da retirada da calha, são os dois "bichos-papões" do rio.
Este gigante de 375km de extensão, no entanto, sobrevive e faz viver muitas famílias, Municípios, animais, matas e a Zona Norte, como pode ser visto no percurso da nascente à foz. Ele é também o principal da bacia hidrográfica que leva seu nome.
Surge timidamente. A cada gota de água brotada do chão ou caída sobre as pedras próximas às nascentes, o Rio Acaraú vai tomando sua forma. Suas duas nascentes estão localizadas na Serra das Matas, no Município de Monsenhor Tabosa, a 306km de Fortaleza. O local é considerado o ponto mais alto do Estado, com 1.145m de altitude.
O primeiro trecho do leito do Acaraú já foi sinônimo de fartura, devido a sua boa água para cultivo. "Há 40 e poucos anos era tudo lindo. Engenhos de cana, plantações de banana. Hoje não se planta mais nada, ´tá´ tudo devastado", conta o comerciante Fernando Ferreira de Melo. Sua queixa se repete ao longo do Acaraú.
Em estudo realizado pelos professores Marcos José Nogueira de Sousa e Maria Lúcia Brito da Cruz, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), "Análise geoambiental e mapeamento das áreas degradadas susceptíveis à desertificação na Bacia Hidrográfica do Acaraú", é constatado que "a especulação imobiliária, o desenvolvimento do turismo e da carcinicultura, o crescimento desordenado dos núcleos populacionais, o incremento agroindustrial, o manejo de irrigação nos agropólos - perímetros irrigados - como Araras Norte e Baixo Acaraú, a incorporação de terras para agricultura, desmatamento, ablação dos solos e a desertificação estão entre os principais problemas de degradação ambiental".
A professora e pesquisadora Maria das Graças Farias Medeiros, filha de Tamboril, testemunhou o tempo de glória da sua região por conta das águas do Acaraú. Agora se debruça em trabalhos de pesquisa e sociais para resgatar o rio. "Quando a tâmara florescia, indicava um bom inverno. A gente tinha um rio verde e hoje é mais plantação de capim", afirmou.
As cenas de devastação não se restringem, no entanto, à plantação de capim. Além dela, queimadas nas margens, retirada desordenada de areia, muito esgoto despejado nas águas do Acaraú preocupam moradores e gestores.
Nos 13 Municípios visitados, a realidade do rio é a mesma, e em alguns casos pioram devido às atividades econômicas e práticas desordenadas. Em Tamboril, na passagem molhada que corta a cidade, a água não passa por lá, decorrente da destruição e também da estiagem do ano que findou.
Em Varjota, onde está localizado o principal reservatório da Bacia Hidrográfica do Acaraú, o Açude Paulo Sarasate, o assoreamento também já prejudica a atuação do açude conhecido como Araras. O reservatório perdeu 15% de sua capacidade devido ao fenômeno. O "Araras" é responsável por tornar o Rio Acaraú perene.
Apesar da grande quantidade de macrófitas no espelho d´água, em Sobral, e uma das margens do rio está coberta de lixo e de esgoto sendo despejado diretamente no Acaraú, o diretor técnico da Saae, José Alberto Rodrigues de Andrade, afirmou que "o esgoto que cai no Rio hoje é das lagoas de tratamento. Não é água potável, mas serve para irrigação".
Com tantas mudanças no trato do rio, a consequência foi quase o total desaparecimento da mata ciliar e dos animais que viviam à sua margem. A vegetação predominante é a Caatinga. A mata ciliar que resta no Acaraú pode ser vista na margem do leito do médio e baixo curso do rio. Durante as cheias, muitos Municípios sofrem com inundações e enchentes devido à descaracterização do leito dos rios. A água vem descendo e, não encontrando seu caminho, ocupa outros espaços.
Quanto aos animais , há registro de papagaios, preás, canários, cutia, guaxinim, onça, raposa, veado, caititu, jacu, seriema, garças, afora os peixes e mariscos. Infelizmente, a incidência desses bichos têm caído a cada dia. "A gente encontra ainda, mas é difícil porque estão todos em extinção", contou o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Acaraú (CBHA), Alexandre Bessa Cavalcante.
No estuário - espaço em que o rio se encontra com o mar -, preferencialmente nos bancos de areia e canais que fazem intercomunicação com o apicum, a extração de mariscos é feita diariamente pelas famílias. Lá são encontrados unha de velho, búzios (Anomalocardia brasiliana), concha e intã (Donax striatus). (E.L.)
Os problemas encontrados na Bacia Acaraú
A bacia do Rio Acaraú apresenta uma significativa diversidade ambiental, incluindo enclaves de serras úmidas, sertões, vales e ambientes litorâneos. Alguns problemas ambientais e de impactos negativos são comuns a esses ecossistemas. Outros adquirem peculiaridades próprias de cada um.
Dentre os problemas, destacam-se: desmatamentos desordenados, degradação da biodiversidade, erosão dos solos, queimadas, caça predatória, degradação de nascentes fluviais, deterioração do patrimônio natural, desequilíbrios ecológicos, expansão da desertificação, poluição dos solos e dos recursos hídricos, a degradação dos manguezais na área estuarina, degradação das matas ciliares das várzeas e das matas úmidas nas serras; expansão dos processos de desertificação nos sertões.
Eles afligem quase toda a população da bacia e têm sérias repercussões na qualidade de vida das populações rural e urbana. Nas ações a serem empreendidas, as propostas de curto, médio e longo prazos devem ser implementadas para a prevenção e recuperação das áreas mais vulneráveis às secas e à degradação ambiental; estimular a organização dos comitês de bacias para melhor gerir as disponibilidades dos recursos hídricos; incentivar as práticas de educação ambiental; contribuir, enfim, para a articulação entre órgãos governamentais e não governamentais, visando um estilo de desenvolvimento compatível com as necessidades de conservação ambiental e com equidade social desta que é a segunda bacia hidrográfica mais importante do Ceará.
*Geógrafo, doutor em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular da Uece. Atua na área de Geociências, com ênfase em Geomorfologia. É um dos autores da pesquisa "Diagnóstico Geoambiental da bacia hidrográfica semiárida do Rio Acaraú: subsídios aos estudos sobre desertificação".
*Marcos José Nogueira de Sousa
Fonte: Diário do Nordeste
Próximo ao porto de Acaraú, na foz do rio, a reportagem flagrou queimadas na mata. A cena foi corriqueira durante o percurso |
Este gigante de 375km de extensão, no entanto, sobrevive e faz viver muitas famílias, Municípios, animais, matas e a Zona Norte, como pode ser visto no percurso da nascente à foz. Ele é também o principal da bacia hidrográfica que leva seu nome.
Muito lixo e esgoto encontrados embaixo da ponte, em Sobral. Em Monsenhor Tabosa, barragem do rio está desativada |
O primeiro trecho do leito do Acaraú já foi sinônimo de fartura, devido a sua boa água para cultivo. "Há 40 e poucos anos era tudo lindo. Engenhos de cana, plantações de banana. Hoje não se planta mais nada, ´tá´ tudo devastado", conta o comerciante Fernando Ferreira de Melo. Sua queixa se repete ao longo do Acaraú.
Em estudo realizado pelos professores Marcos José Nogueira de Sousa e Maria Lúcia Brito da Cruz, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), "Análise geoambiental e mapeamento das áreas degradadas susceptíveis à desertificação na Bacia Hidrográfica do Acaraú", é constatado que "a especulação imobiliária, o desenvolvimento do turismo e da carcinicultura, o crescimento desordenado dos núcleos populacionais, o incremento agroindustrial, o manejo de irrigação nos agropólos - perímetros irrigados - como Araras Norte e Baixo Acaraú, a incorporação de terras para agricultura, desmatamento, ablação dos solos e a desertificação estão entre os principais problemas de degradação ambiental".
A professora e pesquisadora Maria das Graças Farias Medeiros, filha de Tamboril, testemunhou o tempo de glória da sua região por conta das águas do Acaraú. Agora se debruça em trabalhos de pesquisa e sociais para resgatar o rio. "Quando a tâmara florescia, indicava um bom inverno. A gente tinha um rio verde e hoje é mais plantação de capim", afirmou.
As cenas de devastação não se restringem, no entanto, à plantação de capim. Além dela, queimadas nas margens, retirada desordenada de areia, muito esgoto despejado nas águas do Acaraú preocupam moradores e gestores.
Nos 13 Municípios visitados, a realidade do rio é a mesma, e em alguns casos pioram devido às atividades econômicas e práticas desordenadas. Em Tamboril, na passagem molhada que corta a cidade, a água não passa por lá, decorrente da destruição e também da estiagem do ano que findou.
Em Varjota, onde está localizado o principal reservatório da Bacia Hidrográfica do Acaraú, o Açude Paulo Sarasate, o assoreamento também já prejudica a atuação do açude conhecido como Araras. O reservatório perdeu 15% de sua capacidade devido ao fenômeno. O "Araras" é responsável por tornar o Rio Acaraú perene.
Apesar da grande quantidade de macrófitas no espelho d´água, em Sobral, e uma das margens do rio está coberta de lixo e de esgoto sendo despejado diretamente no Acaraú, o diretor técnico da Saae, José Alberto Rodrigues de Andrade, afirmou que "o esgoto que cai no Rio hoje é das lagoas de tratamento. Não é água potável, mas serve para irrigação".
Com tantas mudanças no trato do rio, a consequência foi quase o total desaparecimento da mata ciliar e dos animais que viviam à sua margem. A vegetação predominante é a Caatinga. A mata ciliar que resta no Acaraú pode ser vista na margem do leito do médio e baixo curso do rio. Durante as cheias, muitos Municípios sofrem com inundações e enchentes devido à descaracterização do leito dos rios. A água vem descendo e, não encontrando seu caminho, ocupa outros espaços.
Quanto aos animais , há registro de papagaios, preás, canários, cutia, guaxinim, onça, raposa, veado, caititu, jacu, seriema, garças, afora os peixes e mariscos. Infelizmente, a incidência desses bichos têm caído a cada dia. "A gente encontra ainda, mas é difícil porque estão todos em extinção", contou o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Acaraú (CBHA), Alexandre Bessa Cavalcante.
No estuário - espaço em que o rio se encontra com o mar -, preferencialmente nos bancos de areia e canais que fazem intercomunicação com o apicum, a extração de mariscos é feita diariamente pelas famílias. Lá são encontrados unha de velho, búzios (Anomalocardia brasiliana), concha e intã (Donax striatus). (E.L.)
Os problemas encontrados na Bacia Acaraú
A bacia do Rio Acaraú apresenta uma significativa diversidade ambiental, incluindo enclaves de serras úmidas, sertões, vales e ambientes litorâneos. Alguns problemas ambientais e de impactos negativos são comuns a esses ecossistemas. Outros adquirem peculiaridades próprias de cada um.
Dentre os problemas, destacam-se: desmatamentos desordenados, degradação da biodiversidade, erosão dos solos, queimadas, caça predatória, degradação de nascentes fluviais, deterioração do patrimônio natural, desequilíbrios ecológicos, expansão da desertificação, poluição dos solos e dos recursos hídricos, a degradação dos manguezais na área estuarina, degradação das matas ciliares das várzeas e das matas úmidas nas serras; expansão dos processos de desertificação nos sertões.
Eles afligem quase toda a população da bacia e têm sérias repercussões na qualidade de vida das populações rural e urbana. Nas ações a serem empreendidas, as propostas de curto, médio e longo prazos devem ser implementadas para a prevenção e recuperação das áreas mais vulneráveis às secas e à degradação ambiental; estimular a organização dos comitês de bacias para melhor gerir as disponibilidades dos recursos hídricos; incentivar as práticas de educação ambiental; contribuir, enfim, para a articulação entre órgãos governamentais e não governamentais, visando um estilo de desenvolvimento compatível com as necessidades de conservação ambiental e com equidade social desta que é a segunda bacia hidrográfica mais importante do Ceará.
*Geógrafo, doutor em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular da Uece. Atua na área de Geociências, com ênfase em Geomorfologia. É um dos autores da pesquisa "Diagnóstico Geoambiental da bacia hidrográfica semiárida do Rio Acaraú: subsídios aos estudos sobre desertificação".
*Marcos José Nogueira de Sousa
Fonte: Diário do Nordeste
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