Fim de tarde, as embarcações partem do porto do Acaraú para alto-mar em busca do pescado. Os itens mais apreciados da região são camarões e lagostas FOTOS: CID BARBOSA |
Pesca, criatórios de camarão e de peixes, extração de mariscos e até a apicultura são atividades do Acaraú
Hidrolândia. Numa ocupação de áreas bastantes diferentes, com oscilação de altitude entre o nível do mar e 1.145m acima, na Serra das Matas, a Bacia Hidrográfica do Acaraú possibilita usos diferentes das populações. A mais tradicional, a piscicultura, contribui com milhares de famílias, como a de Edson Saraiva de Sena, conhecido como seu Edinho, morador da Ilha do Ezaú, no Município de Hidrolândia.
A ilha é banhada pelas águas do Rio Acaraú barrada no Açude Araras. Vindo de Mossoró, fez morada no local em 1961. De lá para cá, viveu e sustentou a família com a pesca e a agricultura. Em 2006, a apicultura surgiu como nova oportunidade para a comunidade. Seu Edinho tomou à frente e, com um grupo de moradores, foi capacitado. "Mudou muita coisa. A gente não tinha condição financeira. Trabalhava só para ter o alimento. Mas a apicultura nos dá uma visão muito boa", afirma.
Outro projeto que "bebe" das águas do Acaraú são os Perímetros Irrigados Araras Norte e Baixo Acaraú. O último é responsável por uma produção anual de 24 mil toneladas de frutas, entre as quais, banana, coco, mamão e melancia. Sozinho, o Baixo Acaraú movimenta R$ 2 milhões por ano.
A maior parte da produção deste perímetro vai para o exterior, ao contrário do Araras Norte, que abastece São Benedito, Fortaleza, Sobral, Tianguá e Teresina. Nos dois perímetros são cerca de 650 produtores. Número este pequeno em relação aos outros projetos no Ceará. Para o gerente administrativo-financeiro do Baixo Acaraú, Francisco de Assis, ainda há pouca representatividade no mercado, devido à grande quantidade de frutas de fora, e uma área plantada relativamente pequena.
"Menina dos olhos"
A carcinicultura é, talvez, a atividade mais controvérsia realizada nesta bacia, não eximindo a ação predadora da agricultura realizada às margens do rio, devastando, assim, a mata ciliar, dentre outras. A verdade é que não há meio termo quando se fala no cultivo de camarão marinho: há os que defendem e os que reprovam.
A atividade é realizada na área considerada "a menina dos olhos" do meio ambiente: o estuário. Isso porque é o berço da diversidade. "Ele representa a base de uma complexa cadeia alimentar para o Litoral Oeste do Estado. É o berçário de espécies, produz matéria orgânica e nutrientes para dar suporte à atividade pesqueira e à qualidade de vida das comunidades", explica o professor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A mesma justificativa é dada pelo diretor técnico da Associação dos Carcinicultores da Costa Negra (ACCN), Clélio Fonseca, sobre a escolha da região para a produção de camarões. "A região tem um diferencial do meio ambiente que oferece muitas riquezas naturais", esclarece.
Ele diz que as empresas da região da Costa Negra, zona costeira formada pelos Municípios de Cruz, Acaraú e Itarema, em breve, não utilizarão produtos químicos para o cultivo do crustáceo. "Com a certificação do camarão da Costa Negra, as empresas vão adotar, e algumas já estão adotando, procedimentos únicos e que fazem uso de produtos orgânicos. Não utilizando nenhum produto químico e antibiótico. Tudo isso será banido do nosso modelo de produção".
Em um diagnóstico realizado pelo Ibama, em 2005, entre os principais questionamentos sobre a atividade, estão a ocupação de uma Área de Proteção Permanente (APP); a degradação do ecossistema manguezal, da mata ciliar e do carnaubal; contaminação da água por efluentes; extinção de áreas de mariscagem, pesca e captura de caranguejos; disseminação de doenças; expulsão de marisqueiras e pescadores de sua área de trabalho, dentre outros.
O complexo estuarino, além da importância ambiental, é fonte de renda e alimento para muitas comunidades, como a do Curral Velho, em Acaraú. A área está vinculada aos sistema ambientais que amortecem os danos do aquecimento global, por exemplo. "O manguezal tem a função local de proteger a zona costeira da erosão mais acelerada, e de forma global, captura do dióxido de carbono", explica Jeovah Meireles.
Segundo Clélio Fonseca, há uma preocupação dos produtores da região em manter a qualidade da água e do estuário. "Nós fazemos um auto-monitoramento constante, até porque nós precisamos de um ambiente saudável. Verificamos os parâmetros físico-químicos e biológico da água todos os dias, para não causar dano ao meio ambiente e impacto ao próprio cultivo de camarão", afirmou.
Sustentabilidade
De todos os lados, o discurso para o desenvolvimento é o mesmo: ninguém tem nada contra. Mas há distância entre este processo e a sustentabilidade? Enquanto não há solução à vista, outra ameaça de ocupação chega ao Curral Velho, desta vez com a energia eólica. "Temos o marisco em boa quantidade. Tem gente que vive só disso. E é lá onde querem passar a energia eólica. Não vamos liberar a nossa fonte de alimentação para uma pessoa e a comunidade ficar de mãos vazias", diz o presidente da Associação dos Pescadores e Marisqueiras do Curral Velho, José Edson de Sousa.
A empresa argentina Impsa Wind, ganhadora do leilão realizado em 2010 pela Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério de Minas e Energia, vai instalar seis parques de energia eólica em Acaraú. Com as novas usinas, o Ceará passa a liderar área no País.
Segundo o diretor de Engenharia e Construções da Impsa Wind, João Junqueira, os parques serão edificados na Lagoa Seca, Ventos do Oeste, Araras, Garças, Buriti e Coqueiros. "Já realizamos o estudo de impacto ambiental, audiências públicas e já foi aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema)". A empresa busca, agora, financiamento das obras, que deverão ficar prontas até junho de 2012.
A comunidade do Curral Velho denuncia que, apesar de ter sido convidada para a audiência que discutiu a instalação das usinas eólicas, foram impedidos de participar. "Fomos violentados, impedidos de entrar na audiência", disse a marisqueira Maria do Livramento. (E.L.)
Enquete
Importância
"Quando estamos comendo o camarão da carcinicultura, estamos comendo a biodiversidade, a qualidade da água e outros"
Jeovah Meireles
Professor do Dep. de Geografia da UFC
"90% da mão-de-obra da fazenda de camarão não exigem mais que a 4ª série. A gente ainda emprega a mulher do pescador"
Clélio Fonseca
Diretor técnico da ACCN
CONFLITO
Produzir e preservar
Acaraú. Uma relação conturbada se estabeleceu desde a instalação dos primeiros empreendimentos de carcinicultura (foto)no estuário do Rio Acaraú. De um lado, empreendedores ocupam espaços de preservação permanente com a promessa de geração de emprego e renda.
De outro, a comunidade luta pelo pedaço de chão e de rio, de onde tiram o sustento e o alimento das famílias e da cultura do lugar. "A gente conseguiu o barramento deles aqui. Já foram derramados suor, sangue, lágrima e, graças a Deus, hoje a gente ´tá´ com esse pedaço de chão", afirmou o presidente da Associação dos Pescadores e Marisqueiras do Curral Velho, José Edson de Sousa.
Estudos realizados nos EUA e Tailândia, de matriz economicista, publicados na revista "Science", da American Association for the Advancement of Science, divulgaram os valores das externalidades negativas embutidas na atividade, como a degradação e a poluição. Os custos para a recuperação são altos.
Os valores econômicos gerados por hectare nas fazendas de camarão é de US$ 8,340 e para preservar o manguezal em torno de US$ 823. Os valores sociais calculados pela pesquisa mostram que as externalidades custam um déficit de US$ 5,443 e custos de US$ 35,696 para recuperar cada hectare de manguezal.
"Só se pensa na carcinicultura na geração de emprego e renda, que é um mito. Se gera seis vezes menos empregos do que declaram os empreendedores", diz Meireles.
Segundo Fonseca, na região da Costa Negra são "em torno de três profissionais por hectare, em empregos diretos e indiretos". Mas, o diagnóstico do Ibama define no estuário do Acaraú 0,58 empregos/ha, mais de 3 vezes menos do que diz a Associação Brasileira de Criadores de Camarão. (E.L.)
Demanda Hídrica
190 milhões m³/ano é a demanda hídrica de irrigação da Bacia Hidrográfica do Acaraú, representando 84% do total. Para o consumo humano, a demanda é de 15% e 1% para a indústria.
Fonte: Diário do Nordeste
Hidrolândia. Numa ocupação de áreas bastantes diferentes, com oscilação de altitude entre o nível do mar e 1.145m acima, na Serra das Matas, a Bacia Hidrográfica do Acaraú possibilita usos diferentes das populações. A mais tradicional, a piscicultura, contribui com milhares de famílias, como a de Edson Saraiva de Sena, conhecido como seu Edinho, morador da Ilha do Ezaú, no Município de Hidrolândia.
A ilha é banhada pelas águas do Rio Acaraú barrada no Açude Araras. Vindo de Mossoró, fez morada no local em 1961. De lá para cá, viveu e sustentou a família com a pesca e a agricultura. Em 2006, a apicultura surgiu como nova oportunidade para a comunidade. Seu Edinho tomou à frente e, com um grupo de moradores, foi capacitado. "Mudou muita coisa. A gente não tinha condição financeira. Trabalhava só para ter o alimento. Mas a apicultura nos dá uma visão muito boa", afirma.
Outro projeto que "bebe" das águas do Acaraú são os Perímetros Irrigados Araras Norte e Baixo Acaraú. O último é responsável por uma produção anual de 24 mil toneladas de frutas, entre as quais, banana, coco, mamão e melancia. Sozinho, o Baixo Acaraú movimenta R$ 2 milhões por ano.
A maior parte da produção deste perímetro vai para o exterior, ao contrário do Araras Norte, que abastece São Benedito, Fortaleza, Sobral, Tianguá e Teresina. Nos dois perímetros são cerca de 650 produtores. Número este pequeno em relação aos outros projetos no Ceará. Para o gerente administrativo-financeiro do Baixo Acaraú, Francisco de Assis, ainda há pouca representatividade no mercado, devido à grande quantidade de frutas de fora, e uma área plantada relativamente pequena.
"Menina dos olhos"
A carcinicultura é, talvez, a atividade mais controvérsia realizada nesta bacia, não eximindo a ação predadora da agricultura realizada às margens do rio, devastando, assim, a mata ciliar, dentre outras. A verdade é que não há meio termo quando se fala no cultivo de camarão marinho: há os que defendem e os que reprovam.
A atividade é realizada na área considerada "a menina dos olhos" do meio ambiente: o estuário. Isso porque é o berço da diversidade. "Ele representa a base de uma complexa cadeia alimentar para o Litoral Oeste do Estado. É o berçário de espécies, produz matéria orgânica e nutrientes para dar suporte à atividade pesqueira e à qualidade de vida das comunidades", explica o professor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A mesma justificativa é dada pelo diretor técnico da Associação dos Carcinicultores da Costa Negra (ACCN), Clélio Fonseca, sobre a escolha da região para a produção de camarões. "A região tem um diferencial do meio ambiente que oferece muitas riquezas naturais", esclarece.
Ele diz que as empresas da região da Costa Negra, zona costeira formada pelos Municípios de Cruz, Acaraú e Itarema, em breve, não utilizarão produtos químicos para o cultivo do crustáceo. "Com a certificação do camarão da Costa Negra, as empresas vão adotar, e algumas já estão adotando, procedimentos únicos e que fazem uso de produtos orgânicos. Não utilizando nenhum produto químico e antibiótico. Tudo isso será banido do nosso modelo de produção".
Em um diagnóstico realizado pelo Ibama, em 2005, entre os principais questionamentos sobre a atividade, estão a ocupação de uma Área de Proteção Permanente (APP); a degradação do ecossistema manguezal, da mata ciliar e do carnaubal; contaminação da água por efluentes; extinção de áreas de mariscagem, pesca e captura de caranguejos; disseminação de doenças; expulsão de marisqueiras e pescadores de sua área de trabalho, dentre outros.
O complexo estuarino, além da importância ambiental, é fonte de renda e alimento para muitas comunidades, como a do Curral Velho, em Acaraú. A área está vinculada aos sistema ambientais que amortecem os danos do aquecimento global, por exemplo. "O manguezal tem a função local de proteger a zona costeira da erosão mais acelerada, e de forma global, captura do dióxido de carbono", explica Jeovah Meireles.
Segundo Clélio Fonseca, há uma preocupação dos produtores da região em manter a qualidade da água e do estuário. "Nós fazemos um auto-monitoramento constante, até porque nós precisamos de um ambiente saudável. Verificamos os parâmetros físico-químicos e biológico da água todos os dias, para não causar dano ao meio ambiente e impacto ao próprio cultivo de camarão", afirmou.
Sustentabilidade
De todos os lados, o discurso para o desenvolvimento é o mesmo: ninguém tem nada contra. Mas há distância entre este processo e a sustentabilidade? Enquanto não há solução à vista, outra ameaça de ocupação chega ao Curral Velho, desta vez com a energia eólica. "Temos o marisco em boa quantidade. Tem gente que vive só disso. E é lá onde querem passar a energia eólica. Não vamos liberar a nossa fonte de alimentação para uma pessoa e a comunidade ficar de mãos vazias", diz o presidente da Associação dos Pescadores e Marisqueiras do Curral Velho, José Edson de Sousa.
A empresa argentina Impsa Wind, ganhadora do leilão realizado em 2010 pela Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério de Minas e Energia, vai instalar seis parques de energia eólica em Acaraú. Com as novas usinas, o Ceará passa a liderar área no País.
Segundo o diretor de Engenharia e Construções da Impsa Wind, João Junqueira, os parques serão edificados na Lagoa Seca, Ventos do Oeste, Araras, Garças, Buriti e Coqueiros. "Já realizamos o estudo de impacto ambiental, audiências públicas e já foi aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema)". A empresa busca, agora, financiamento das obras, que deverão ficar prontas até junho de 2012.
A comunidade do Curral Velho denuncia que, apesar de ter sido convidada para a audiência que discutiu a instalação das usinas eólicas, foram impedidos de participar. "Fomos violentados, impedidos de entrar na audiência", disse a marisqueira Maria do Livramento. (E.L.)
Enquete
Importância
"Quando estamos comendo o camarão da carcinicultura, estamos comendo a biodiversidade, a qualidade da água e outros"
Jeovah Meireles
Professor do Dep. de Geografia da UFC
"90% da mão-de-obra da fazenda de camarão não exigem mais que a 4ª série. A gente ainda emprega a mulher do pescador"
Clélio Fonseca
Diretor técnico da ACCN
CONFLITO
Produzir e preservar
Acaraú. Uma relação conturbada se estabeleceu desde a instalação dos primeiros empreendimentos de carcinicultura (foto)no estuário do Rio Acaraú. De um lado, empreendedores ocupam espaços de preservação permanente com a promessa de geração de emprego e renda.
De outro, a comunidade luta pelo pedaço de chão e de rio, de onde tiram o sustento e o alimento das famílias e da cultura do lugar. "A gente conseguiu o barramento deles aqui. Já foram derramados suor, sangue, lágrima e, graças a Deus, hoje a gente ´tá´ com esse pedaço de chão", afirmou o presidente da Associação dos Pescadores e Marisqueiras do Curral Velho, José Edson de Sousa.
Estudos realizados nos EUA e Tailândia, de matriz economicista, publicados na revista "Science", da American Association for the Advancement of Science, divulgaram os valores das externalidades negativas embutidas na atividade, como a degradação e a poluição. Os custos para a recuperação são altos.
Os valores econômicos gerados por hectare nas fazendas de camarão é de US$ 8,340 e para preservar o manguezal em torno de US$ 823. Os valores sociais calculados pela pesquisa mostram que as externalidades custam um déficit de US$ 5,443 e custos de US$ 35,696 para recuperar cada hectare de manguezal.
"Só se pensa na carcinicultura na geração de emprego e renda, que é um mito. Se gera seis vezes menos empregos do que declaram os empreendedores", diz Meireles.
Segundo Fonseca, na região da Costa Negra são "em torno de três profissionais por hectare, em empregos diretos e indiretos". Mas, o diagnóstico do Ibama define no estuário do Acaraú 0,58 empregos/ha, mais de 3 vezes menos do que diz a Associação Brasileira de Criadores de Camarão. (E.L.)
Demanda Hídrica
190 milhões m³/ano é a demanda hídrica de irrigação da Bacia Hidrográfica do Acaraú, representando 84% do total. Para o consumo humano, a demanda é de 15% e 1% para a indústria.
Fonte: Diário do Nordeste
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