segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Pão com recheio original

Será lançado hoje, na Livraria Cultura, o livro Uma breve história da Padaria Espiritual, do crítico literário Sânzio de Azevedo. A obra traz novas informações a partir das atas de integrantes do movimento literário em documento inédito encontrado no Instituto Histórico do Ceará

No livro, Sânzio transcreve o texto Retrospecto dos feitos da Padaria Espiritual, publicado em 1894 pelo padeiro Moacir Jurema (NATALIA KATAOKA, EM 17/01/2007)

O historiador da literatura, professor Sânzio de Azevedo, achou que estivesse sonhando. Depois procurar, por 40 anos as atas da Padaria Espiritual, um dia recebeu um telefonema com a informação de que as atas, até então completamente desconhecidas, estavam no arquivo do Barão de Studart, no Instituto Histórico do Ceará. Mesmo com a nova edição no livro Uma Breve História da Padaria Espiritual quase pronta, Sânzio de Azevedo recuperou informações e as transpôs para a obra que ele lança hoje, às 19 horas, na Livraria Cultura, com direito a bate-papo sobre o livro e participação da escritora Socorro Acioli, autora de É pra ler ou pra comer, livro infantil inspirado no movimento literário do fim do século XVIII.

Uma das principais novidades que o livro traz é a informação de que Antônio Sales, que atendia pelo nome de Moacir Jurema, ocupara por mais tempo do que o imaginado a função de padeiro-mor. Outra, é que alguns textos dos padeiros foram parar no jornal A República no ano de 1893, quando não foi publicada nenhuma edição de O Pão. Neste livro, há também a transcrição do texto Retrospecto dos feitos da Padaria Espiritual, publicado em 1894 pelo padeiro Moacir Jurema.

Para o pesquisador e crítico literário, o movimento ruidoso “dos rapazes das letras e artes do Ceará” é único e permanece inédita a repercussão que causou no Ceará e no País, repercussão esta que nem as desavenças internas conseguiram nublar. “É difícil um grupo, seja de homens de letras ou não, conseguir viver sem dissidências. Mas acredito que a saída de Álvaro Martins, Temístocles Machado, Adolfo Caminha e outros não chegou a prejudicar a trajetória dos ‘padeiros´”, afirma o professor Sânzio de Azevedo, que nesta entrevista fala sobre o novo livro.

O POVO – Uma das grandes novidades do livro foi o acesso que o senhor teve às atas dos padeiros. Como se deu esse encontro?
Sânzio de Azevedo - Há mais de 40 anos eu procurava esse Livro de Atas, que esteve nas mãos do Leonardo Mota. Tentei achá-lo com os filhos do folclorista (Orlando, Moacir e Murilo Mota). Nada. No Rio de Janeiro, quando fazia Doutorado na UFRJ, pesquisei nos arquivos de Antônio Sales que estavam com o Pedro Nava, que me arranjou cópia de cartas, etc., mas ele também nada sabia das atas. A Breve História da Padaria Espiritual já estava sendo impressa quando Marines Alves, funcionária do Instituto do Ceará, encontrou o livro, na Sala Barão de Studart. Imaginando sua importância, passou-o às mãos do Presidente da entidade, historiador José Augusto Bezerra. Conhecedor de velhos manuscritos e textos raros, esse amigo concluiu que se tratava do Livro de Atas da Padaria Espiritual e me telefonou. Completamente atônito com a descoberta, percorri aquelas páginas como se estivesse sonhando. Brevemente o historiador vai tratar de uma edição fac-similar, mas adiantei alguma coisa nesse meu livro que, graças a Deus, ainda não estava terminado.

OP - Pelas atas o que veio à tona?
Sânzio - Transcrevo, nesse livro, uns poucos trechos desconhecidos, por não estarem nem no livro de Leonardo Mota sobre o grêmio. E fiz questão de registrar, com base nas atas, que, ao contrário do que muitos pensavam, Antônio Sales (o Moacir Jurema do grêmio) ocupou o lugar de Padeiro-mor interino por muito mais tempo: volta e meia, em 1892 e até em 1894 e 95, estava ele à frente do grupo. Outra coisa que eu não sabia é que em 1893, ano em que não circulou o jornal O Pão, e os “padeiros” publicavam seus textos no jornal A República, não houve uma só “fornada”(sessão).

OP - O movimento da Padaria Espiritual foi e continua sendo um dos maiores movimentos literários do País. Por que o senhor diz que ele foi um precursor do movimento modernista de 20?
Sânzio - Na verdade, desde 1970, quando publiquei, a conselho do professor Martins Filho, um opúsculo sobre a Padaria Espiritual, chamo a atenção para o artigo 21 do Programa de Instalação (redigido por Sales), que julga “indigna de publicidade qualquer peça literária em que se falar de animais ou plantas estranhas à Fauna e à Flora Brasileira, como – cotovia, olmeiro, rouxinol, carvalho, etc.” Lembro que esse espírito nacionalista seria uma das preocupações de Monteiro Lobato e, 30 anos depois da fundação da “Padaria”, uma das bandeiras da Semana de Arte Moderna de São Paulo. Não diria que todo o programa estaria no mesmo caso.

OP - Outro ponto importante do livro são as evidências da tensão entre os padeiros. Você considera que as discordâncias entre eles prejudicou o movimento?
Sânzio - É difícil um grupo, seja de homens de letras ou não, conseguir viver sem dissidências. Mas acredito que a saída de Álvaro Martins, Temístocles Machado, Adolfo Caminha e outros não chegou a prejudicar a trajetória dos “padeiros”. O grupo publicou 36 números do jornal O Pão, nas duas fases do grêmio e inúmeros livros. Isso é que é importante, a meu ver.

OP - Você corrige algumas afirmações que são repetidas anos a fio, como o fato do Oliveira Paiva ter sido da Padaria. Ficou alguma correção de fora?
Sânzio - Suponho que não. A inclusão de Pápi Júnior no grêmio não tem o menor sentido, uma vez que ele nem mesmo colaborou no jornal dos “padeiros”. Ainda no século XIX, Rodrigues de Carvalho incluiu no grêmio Alfredo Peixoto, falecido antes da sua fundação.Várias pessoas me perguntam se houve maçons na Padaria Espiritual. Penso que se alguém disse isso confundiu o grêmio com a Academia Francesa, de 1873, essa sim, com pelo menos dois maçons, fundadores do jornal Fraternidade.

OP - Qual o legado da Padaria Espiritual para as Letras do Ceará?
Sânzio – Só sei dizer que a Padaria Espiritual marcou época, chegando seu humor a influenciar um grupo do tempo, o Centro Literário Era “uma sociedade de rapazes de Letras e Artes”, como diz o programa, porque tinha escritores, como Antônio Sales, Lívio Barreto, Adolfo Caminha; músicos, como Henrique Jorge e seu irmão Carlos Vítor e um pintor, Luís Sá, o que nunca mais se repetiu em grupo nenhum. O grêmio do Café Java, com Lopes Filho e Lívio Barreto, foi, com os nomes de sua primeira fase e mais os de Rodolfo Teófilo, José Carlos Jr., Artur Teófilo, Antônio Bezerra, o mais importante acontecimento cultural do Ceará no século XIXl.

SERVIÇO

UMA BREVE HISTÓRIA DA PADARIA ESPIRITUAL
Autor: Sânzio de Azevedo
Quando: Lançamento hoje (3)
Horário: A partir das 19 horas
Onde: Livraria Cultura (Avenida Senador Virgílio Távora, esquina com avenida Dom Luís)
Quanto: R$ 30 (o exemplar)

Regina Ribeiro
reginaribeiro@opovo.com.br 

Fonte: O Povo

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