Cidades do Cariri compartilham geoparque reconhecido pela Unesco.
Estátua do Padre Cícero é famoso ponto de turismo religioso.
No topo da serra do Araripe, em Santana do Cariri, o Pontal de Santa Cruz revela um dos mais belos cenários da região; área faz parte de um dos sítios de estudo paleontológicos. (Foto: Geopark Araripe/Divulgação)
Roteiro de fé e caldeirão de manifestações culturais, a região do Cariri, no Sul do Ceará, é também um dos principais polos de estudos paleontológicos do país. Em uma programação de dois dias, o visitante pode conhecer parte das escavações e fósseis espalhados em seis das 11 cidades da região e ainda vai ter tempo para apreciar um museu paleontológico, pontos de peregrinação religiosa e a arte local.
Em meio ao verde da Floresta Nacional do Araripe, são nove sítios de estudo que formam o Geopark Araripe, integrante da rede mundial de geoparques criada pela Unesco. A viagem por registros da história da Terra pode começar pela Colina do Horto, a 3 km da cidade de Juazeiro do Norte, na porção norte da bacia sedimentar do Araripe. Na área da colina, onde fica a estátua do santo popular Padre Cícero, estão as pedras mais antigas do Geopark Araripe, com cerca de 650 milhões de anos.
A cerca de 550 m de altitude, na colina, é possível encontrar rochas de granito com manchas em pequenos cristais de cores preta, branca e rosa. Para fazer visitações dentro do Geopark é necessário agendar no site oficial. Os turistas têm de ser acompanhados por guias do parque, geólogos e biólogos.
No alto, o soldadinho-do-Araripe e embaixo, uma
libélula ''impressa'' na pedra há milhões de anos
(Foto: Geopark Araripe/Divulgação)
Depois da Colina do Horto, o roteiro segue para a cidade de Missão Velha. No geossítio Cachoeira, a 4 km da cidade, as águas do Rio Salgado deixaram desenhos em arenitos e há rastros de animais, os icnofósseis, preservados na rocha há quase 450 milhões de anos.
Na área, estão registros do aldeamento dos índios Kariri, do século XVIII, e é possível também percorrer um antigo caminho usado pelos primeiros colonizadores até a Fonte do Pinga. Local onde florescem espécies da caatinga como jatobá, aroeira, cedro e catingueira. Casas de pedra construídas pelos primeiros habitantes da região rodeiam o lugar. A área do geossítio tem ainda uma pequena barragem e as ruínas de um engenho de cana-de-açúcar.
Ainda em Missão Velha, o passeio segue até o sítio da Floresta Petrificada, uma grota com cerca de oito metros de rochas avermelhadas e arenito. Entre os seixos das rochas, ficaram pedaços de madeira petrificada. As pedras guardam fósseis de pinheiros de 145 milhões de anos, revelando que, na região, existiam colinas, florestas e rios. O visitante está, na verdade, no fundo de rios jurássicos.
O primeiro dia de viagem termina no Riacho do Meio. Uma área de vegetação densa, com belas trilhas que passam por duas fontes de águas cristalinas. Ponto para apreciar a fauna e a flora nativas do Araripe, com raras espécies, como o pássaro soldadinho-do-araripe. O bando de Lampião se escondia no local, na famosa ''pedra do morcego''.
O segundo dia reserva uma ida a uma passagem natural preservada na rocha sobre um estreito e profundo vale, produto da erosão da água e do vento nos últimos 50 milhões de anos em Nova Olinda, no geossítio Ponte de Pedra. Seguindo a trilha, é possível chegar até a "pedra do coruja" e a "pedra do castelo", indicadas para esportes de aventura como o rapel.
O roteiro termina em uma escavação parada que mostra fósseis como eles aparecem na natureza, no Parque dos Piterossauros. O preço das visitas depende do roteiro. Hospedagem, e transporte ficam por conta do visitante. O Cariri cearense ocupa uma área de 6.342,3km² correspondente aos municípios de Abaiara, Barbalha, Brejo Santo, Crato, Jardim, Juazeiro do Norte, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Porteiras e Santana do Cariri.
Sítios que podem ser vistos em dois dias no Cariri, no sentido horário: Floresta Petrificada, Ponte de Pedra, Parque dos Pteurossauros, as águas e a flora de Cachoeira e o Riacho do Meio (Foto: Geopark/Divulgação)
Museu
De acordo com o professor e paleontólogo Álamo Feitosa, o “apego” aos estudos paleontológicos no Cariri começou há 23 anos, quando o então prefeito da cidade de Santana do Cariri, Plácido Nuvem, decidiu fazer o Museu de Paleontologia, administrado pela Universidade do Vale do Acaraú (Urca). Segundo o professor, o prefeito acreditava que o estudo dos fósseis tinha potencial turístico.
Entrada no Museu de Paleontologia é gratuita
(Foto: Elisângela Santos/Agência Diário)
“Esta é uma terra rica para se estudar paleontologia, agora mesmo acabo de concluir uma escavação em Brejo Santo onde recolhemos 200 peças do período jurássico”, disse Feitosa, ansioso para encaminhar a nova coleção ao museu. As primeiras peças do museu foram doações de moradores que encontravam os fósseis em terrenos e plantações. Com entrada gratuita, somente em 2011, o museu recebeu 14 mil visitantes.
Réplicas de bichos e fósseis de plantas, moluscos, peixes, anfíbios, crocodilos, tartarugas e insetos podem ser apreciados entre as 10 mil peças no museu. Todos com idade entre 100 milhões e 140 milhões de anos.
Couro e moda
O chamado “Oásis do Sertão” cearense também é famoso pela riqueza dos artigos em couro. O produtor Espedito Seleiro, 72 anos, confecciona peças em couro desde os oito anos de idade. “Comecei com meu pai, ele me ensinou e eu melhorei o serviço, porque naquela época se fazia artigo para vaqueiro, com material grosseiro feito de couro cru”, conta Seleiro, que herdou apenas uma máquina de costura do bisavô e faz todo o trabalho final à mão.
Couro vira bolsas, gibões e sapatos nas mãos de
Seleiro. (Foto: Espedito Seleiro/Arquivo Pessoal)
Atualmente, o produtor emprega seis filhos e cinco irmãos. Mais do que garantir a sobrevivência da família, a produção de peças em couro é um estilo de vida. Sapatos, bolsas, chaveiros, gibões, sandálias, tudo no dia a dia da família. “Estou repassando isso para meus filhos, não tenho herança, deixo o meu trabalho”, afirma. Quem vai a Nova Olinda não tem dificuldades em encontrar a conhecida oficina.
Famosos como Luciano Huck e Dominguinhos já passaram pela oficina de Espedito Seleiro, tiraram fotos e usaram as peças, segundo Seleiro. A produção da família já foi exportadas para o exterior e para outros estados brasileiros, como Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo o artesão, os preços dos artigos em couro variam de R$ 1,00 (chaveiro) a R$ 1.300,00 (gibão ao estilo de Luíz Gonzaga).
Mestre Noza
Quem quer conhecer a riqueza da produção artesanal do Cariri encontra diversas amostras em um só lugar, a Associação dos Artesãos de Juazeiro do Norte Mestre Noza. Com 28 anos de existência, o nome da associação homenageia um dos mais antigos Inocêncio Medeiros da Costa, o Mestre Noza. Pernambucano, o escultor e xilogravurista foi a Juazeiro do Norte em 1912 como romeiro e acabou ficando na cidade.
Segundo o tesoureiro da instituição, Aparecido Gonzaga Alves, cerca de 900 peças estão expostas no local. Peças antigas feitas de madeira, argila, couro e até metal fazem parte do acervo fixo da instituição. “São peças dos artesões mais antigos e dos que já morreram. Estas são apenas para expor, não estão à venda. Mas temos artesãos de todo o Cariri produzindo e vendendo peças aqui”, afirma Costa, explicando que a associação já exporta peças para Estados Unidos, Portugal e Alemanha.
Associação conta, atualmente, com 142 artesãos com idades que variam entre 12 e 82 anos. As esculturas em madeira são as mais populares, principalmente, as de referência religiosa. O centro de artesanato abre todos os dias das 8h as 18h. A entrada é franca.
Irmão Aniceto e grupos folclóricos
O visitante do Cariri também não pode deixar de conhecer os grupos folclóricos. Entre eles, os Irmãos Aniceto. Segundo o presidente da Fundação Mestre Elói, Catulo Teles, o forró pé de serra é a especialidade do grupo, formado por cinco parentes e um sexto mestre na posição de reserva: Raimundo, Antônio, Ciço, Jeová, Adriano e Ugui.
De acordo com Teles, os Irmãos Aniceto se apresentam cerca de três vezes por mês na cidade do Crato, a 506 km de Fortaleza. E, com exceção de Roraima e Acre, já se apresentaram em todos os estados brasileiros, além dos países França e Portugal. Fundado no século XIX por um descendente de índios, o grupo está na terceira geração.
Teles explica que o trabalho da família é autoral, só abrem exceções no repertório para hinos e Luís Gonzaga. Longe do glamour que cerca os grandes astros da música, os irmãos são trabalhadores da roça. Sons de animais e pássaros são inspirações para tirar o som da zabumba, pifes, caixa e pratos. Já as letras tratam do cotidiano no sertão.
Aproveitando a passagem pelo Crato, os visitantes podem ainda conhecer o trabalho da Fundação Mestre Elói, que reúno 39 grupos folclóricos e organiza um calendário especial de apresentações anuais.
Fonte: G1-Ceará